Economia Solidária – a “outra” economia

Autor: Inésia Pontes

Economia Solidária – a “outra” economia

A Economia Solidária celebrou, nos Açores, o seu vigésimo quinto aniversário no ano transato. A CRESAÇOR enquanto rede de economia solidária que representa atualmente 27 instituições cooperadoras, dispersas pelas ilhas da Região Açores, tinha planeado um conjunto de atividades e comemorações para assinalar este tão importante marco: “1/4 de século de Economia Solidária nos Açores”.

Infelizmente, e como já é do conhecimento de todos/as o COVID veio alterar todos os nossos planos, alterando de igual modo a nossa forma de trabalhar, de estar e de interagir. Rapidamente tivemos de nos adaptar à nova realidade e adequar tudo o que havia sido planeado…

Os nossos cooperadores rapidamente se reorganizaram e prontamente responderam com um “Presente!” à crise geral que se instalou, mantendo-se firmes na sua missão de apoiar o próximo e aumentando ainda mais as respostas sociais que operacionalizam. É preciso não esquecer que muitos e muitas colaboradores/as das instituições de economia social e solidária mantiveram-se na chamada “linha da frente”.

Nos Açores foi prontamente criada uma rede de apoio ao COVID-19, pelos nossos cooperadores, que disponibilizaram um conjunto amplo de produtos (alimentares e farmacêuticos) e serviços, com a opção de entrega ao domicílio, oferecendo assim um serviço de proximidade junto das comunidades locais.

Paralelamente a isto e em articulação com a Autoridade de Saúde foi assegurado apoio técnico e logístico aos passageiros retidos nos Açores e apoio à “Linha Açores de Esclarecimento Não Médico COVID-19”.

Volvido quase um ano desde o primeiro confinamento geral continuamos nesta luta desigual, mas que é de todos nós.

Importa, portanto, fazer uma reflecção histórica do papel preponderante que a Economia Solidária tem tido na melhoria das condições de vida de muitos Açorianos e Açorianas.

As instituições que dão corpo ao que se designa por Economia Solidária dos Açores, desenvolvem atividades económicas como a produção de bens e serviços em contexto de trabalho visando a reinserção social, pessoal e profissional de grupos sociais desfavorecidos (pessoas portadoras de deficiência física e/ou mental; repatriados/as e deportados/as; alcoólicos/as e toxicodependentes em processo de recuperação; beneficiários/as de RSI; Ex-reclusos/as em condições de reinserção na vida ativa; pessoas sem abrigo, etc.), criando-lhes a oportunidade que o mercado recusou.

Estas instituições disponibilizam uma grande variedade de serviços sociais aos quais as instâncias públicas não conseguem dar resposta. O apoio às famílias e comunidades socialmente desfavorecidas através do apoio ativo à educação, formação e integração profissional por via da inserção socioeconómica tem sido essencial para quebrar ciclos de pobreza instalados.

Estas organizações de economia social e solidária assentam a sua atuação na intercooperação, no funcionamento em rede, na promoção do relacionamento institucional com entidades públicas e privadas, na reivindicação social, na união e esforço conjunto para poderem continuar o seu trabalho junto daqueles que mais necessitam.

Ninguém duvida que o impacto social gerado por estas organizações é imensurável. No entanto, constantemente somos chamados a quantificar as nossas atividades e projetos com indicadores de acompanhamento e de execução, metas atingidas e a atingir, medidas corretivas a implementar, etc. E a mudança que ocorre na vida das pessoas através das iniciativas de economia solidária? Quanto vale a integração de uma pessoa na nossa sociedade?

E quanto vale os impactos sociais negativos que as nossas organizações evitam (e têm evitado ao longo de 25 anos) devido às suas intervenções locais, comunitárias e de proximidade?

Recuemos agora aos anos 90, data em que surgem as primeiras associações e cooperativas de incubação de iniciativas de Economia Solidária, da qual a cooperativa Kairós, um dos membros fundadores da CRESAÇOR, é exemplo. Foi nesta década, através de contribuições de experiências congéneres das Canárias, da Madeira e de Cabo Verde (e, posteriormente, de S. Tomé e Príncipe), que nasceu a Economia Solidária da Macaronésia, conjunto de regiões insulares, situadas no Oceano Atlântico, entre três continentes – África, América e Europa, cujo conceito foi, pela primeira vez, definido e apresentado em Março de 2004, no âmbito da Iniciativa Comunitária Interreg III B – projeto ESCALA (Estratégia de Desenvolvimento para a Sustentabilidade das Empresas de Economia Solidária).

Segundo Rogério Roque Amaro e Francisco Madelino a Economia Solidária, vinda da Economia Social, vai mais longe e assume-se como uma Economia Nova da Vida Integrada, articulando várias vertentes fundamentais:

1. É, antes de mais, uma atividade económica ou um conjunto de atividades económicas;

2. É promotora da coesão social;

3. É respeitadora e valorizadora do meio ambiente, e de um reencontro digno com a Natureza;

4. É promotora e valorizadora da diversidade cultural;

5. Procura modelos de gestão, regulação, certificação e governância mais eficientes, rigorosos, integrados e sustentáveis;

6. É territorializada e promotora do desenvolvimento comunitário; e

7. Assenta numa lógica de processos de investigação-ação.

Esta definição e estes sete pontos que a compõem merecem uma reflexão ainda mais profunda face aos desafios atuais que enfrentamos. Nestes desafios além da atual crise pandémica incluo também: i) o desafio climático; ii) o desafio da grave crise económica; iii) o desafio dos valores sociais e democráticos; iv) e o desafio de colocar (finalmente) a economia ao serviço das pessoas.

A economia solidária é portanto – a outra economia – a economia alternativa que coloca a economia ao serviço das pessoas e não o contrário. A economia que preserva de forma integrada e sistémica o ambiente, a cultura, as tradições e o território. É portanto a opção mais viável e a melhor herança que podemos preservar para que os/as nossos/as filhos/as e netos/as possam continuar a habitar, com harmonia, o planeta Terra.

Por Inésia Pontes, Diretora Executiva da CRESAÇOR - Cooperativa Regional de Economia Solidária, CRL

Não foram encontrados comentários