Autor: Carlos Azevedo
Se é para amanhã, bem podia ser feito hoje
O
aumento da produção nos últimos séculos trouxe, como é sobejamente reconhecido,
evidentes ganhos de segurança económica. Todavia, a utilização da produção como
indicar fundamental do desenvolvimento passou a gerar efeitos não esperados
como, por exemplo, o aumento do endividamento geral ou a pressão sobre os
recursos. A par do desenvolvimento e crescimento económicos surgiu uma nova
geração de talento preocupada com os grandes desafios dos nossos tempos
(ambientais, sociais, culturais, etc.). A ligação entre estes fenómenos
tornou-se evidente à medida que a segurança económica se tornava uma realidade
e a preocupação com este fenómeno se alargava às gerações futuras e para lá das
fronteiras geográficas. A verdade é que hoje, e para a geração atual, a segurança
económica já não é suficiente para a sua realização (pessoal e profissional) e
já não influencia radicalmente as suas decisões de consumo. Os resultados
sociais e ambientais negativos como consequência do foco excessivo na produção,
passaram a estar no centro das discussões, da retenção de talento, da pressão
sobre as políticas públicas e, provavelmente a prazo, das decisões de afetação
de recursos, de produção e de consumo.
Por
estas razões, os vários agentes económicos são hoje forçados a olhar para as
preocupações sociais e ambientais como uma verdadeira oportunidade económica.
Para as empresas, torna-se evidente a necessidade de serem sustentáveis para
serem competitivas. O setor público não pode negligenciar a exigência de
eleitores e contribuintes mais informados e exigentes. A interdependência entre
as esferas privada e pública é essencial para que as dimensões sociais da
organização societal sejam definitivamente consolidadas em todas as decisões
económicas.
Fontes
de valor e impacto social
Uma
empresa competitiva assenta em quatro fontes de valor: (1) custo do capital que
influencia a sua capacidade de financiamento e de investimento; (2) O talento –
a atração, retenção e desenvolvimento de pessoas e competências necessárias
para a eficiência organizacional; (3) O negócio e a inovação – a capacidade de
uma organização entregar valor a clientes, consumidores, acionistas e
Stakeholders; (4) Reputação – um ativo intangível, mas fundamental, que
determina o grau de confiança gerado por uma determinada empresa. Todas estas
fontes de valor estão, na realidade, a convergir para o impacto social. O custo
do capital está mais baixo para empresas escrutinadas de acordo com os critérios
ESG (Environmental, Social and Governance). Aliás uma parte significativa dos
ativos sob gestão global já são avaliadas de acordo com estes critérios. O
talento procura cada vez mais propósito no seu trabalho e está disposto a fazer
um cut-off no seu salário para garantir que isto acontece. Os negócios sociais
têm demonstrado um crescimento significativo nos últimos anos (segundo o Core
Communications report, 86% das organizações com propósito cresceram em 2018).
E, finalmente, a maioria das grandes empresas procura o desenvolvimento ativo
da sua responsabilidade social corporativa como forma de consolidação da sua
reputação nacional e global.
Estas
são algumas das razões pelas quais muitas das empresas se preocupam hoje com o
desenvolvimento ou apoio a estratégias e projetos sociais. Por exemplo, a EDP
passou a olhar para a pobreza energética (que em Portugal afeta 20% da
população) como uma potencial área de negócio, a Unilever defende a
sustentabilidade como o centro da sua estratégia empresarial e a Jerónimo
Martins criou um departamento associado à diversidade e inclusão. O impacto
social é, de facto, uma verdadeira oportunidade económica.
Todavia,
esta convergência tem sido lenta. Apesar dos incentivos económicos serem
evidentes, este processo precisa de ser acelerado e democratizado. O governance
empresarial é importante para esta aceleração, mas, em muitos casos, continua
complexo e com modos de funcionamento obsoletos tendo em conta a realidade
atual e os desafios futuros. John Elkington e Richard Roberts, num artigo
publicado na Harvard Business review em 2019, defendem a necessidade de
alterações ao governance e estratégias das empresas atuais como forma de
demostrarem uma preocupação efetiva com dimensões que vão para além do valor
criado para os acionistas. Os autores destacam, por exemplo, a necessidade das
empresas criarem ESOPs (Employee Stock Ownership Plans) para alinhar os
interesses dos acionistas com o propósito do talento; assumirem posições de
lobbying a favor de mudanças sistémicas; comprometerem-se com as comunidades
com quem trabalham; ou fazerem investimentos e desenvolverem negócios mais
sustentáveis, posicionando, por exemplo, a inovação social no centro do seu
core business.
Uma
agenda que pode (e deve) ser acelerada por políticas públicas
A
mudança também tem de acontecer ao nível das políticas públicas como há muito é
reclamado. As políticas públicas podem ter a função de acelerar e
institucionalizar uma agenda social. Para o efeito, é importante que as
entidades públicas assumam as suas funções de catalistas e de facilitadores de
mudança. Não é necessário, de repente, pedir a organizações públicas que se
tornem extremamente inovadoras, mas que institucionalizem inovações sociais que
verdadeiramente respondam aos desafios sociais existentes e emergentes,
aproximando os vários agentes económicos através da criação de incentivos
claros à experimentação. Existem, pelo menos duas formas, de o fazerem: (1) O
pagamento por resultados – ou seja, a contratualização de resultados sociais com
entidades privadas ou sociais. Neste tipo de contratos, o foco deixa de estar
nas atividades desenvolvidas (por exemplo, quantas pessoas desempregadas foram
formadas e como) mas nas respetivas consequências (por exemplo, quantas pessoas
conseguiram arranjar e manter o seu posto de trabalho depois de uma determinada
intervenção). Este mecanismo permitiria encontrar novas soluções para os
problemas sociais existentes com evidentes ganhos de eficiência /ou poupança
pública que, depois de testadas, se poderiam tornar políticas públicas. Este
incentivo à inovação e à experimentação, apesar do risco envolvido, poderia
gerar novas respostas sociais com potencial de substituição daquelas que foram
tipificadas pelas políticas sociais nas últimas décadas sem grandes resultados;
(2) novas formas de procurement social – a criação de mecanismos e processos de
outsorcing, contratação pública e parcerias em função de critérios sociais e
ambientais. Estes novos mecanismos poderiam permitir a majoração (por exemplo,
em sede de contratação pública) de entidades escrutinadas por critérios sociais
e ambientais, independentemente da sua natureza. Este tipo de incentivo
permitiria aproximar agendas privadas de agendas sociais. Na verdade, estas
práticas parecem simples, mas exigem uma alteração radical do status quo. Haja
vontade.
Não
há crescimento económico sem desenvolvimento social
Esta
frase parece um clichê. Todavia, e de acordo com o argumento que tentei
brevemente elaborar anteriormente, a aposta no pilar social da sustentabilidade
implica agarrar uma oportunidade económica. As empresas não podem ser
insensíveis às pressões sociais nas suas fontes de valor sob pena de perderem
competitividade. As entidades promotoras de políticas públicas não podem suportar
o custo de deixar escapar uma oportunidade de agarrarem uma agenda influenciada
pelos eleitores e contribuintes de hoje e de amanhã.
Carlos Azevedo