Autor: João Pedro Tavares
Paradigma do Mundo Convergente
* Em
memória de António Vasconcelos, um líder inspirador que serviu liderando!
O
tempo presente oferece-nos imensas oportunidades. Confrontados com um planeta
que tem sido explorado para lá dos seus limites de rejuvenescimento, com
recursos cada vez mais limitados e que precisam de ser partilhados para que
possam chegar a todos e não apenas a alguns. Por outro lado, assolados com uma
pandemia absolutamente inesperada, apanhados sem preparação, poderemos
reconhecer que não somos tão auto-suficientes quanto pensávamos, não temos
capacidade de planear tudo, não temos respostas para tudo.
Por
todos estes motivos, o tempo presente oferece-nos a oportunidade (forçada) de
entendermos, em conjunto, que os modelos do passado precisam de ser mudados e
repensados. Não de ignorar o passado, mas, precisamente, tomá-lo como lição e
procurar reconstruir de forma distinta, com outro alcance. Não vivemos um tempo
de trevas, mas de esperança. Não vivemos um tempo perdido, mas de enorme valor,
apesar do sofrimento e da perda. As empresas e as instituições, os líderes, o
mundo do trabalho terá de ser, obrigatoriamente, muito diferente, com novas
responsabilidades e desafios. Muitas luzes são visíveis no horizonte e temos
líderes mundiais que nos apontam caminhos desafiantes, de construção, de
colaboração, de maior solidariedade¹.
As
empresas e as instituições, os líderes, o mundo do trabalho terá de ser,
obrigatoriamente, muito diferente, com novas responsabilidades e desafios
Viver
num mundo global não significa apenas ter uma visão geográfica ou espacial. É
também uma realidade que é temporal, que é relacional, que é de valores, de
modelos, de capacidades. Vivemos num momento em que nos chegam noticias,
realidades, de todo o mundo em tempo real. Tornamo-nos próximos de um drama
pessoal, como se fossemos familiares de alguém distante. Um navio encalhado
provoca uma quebra na logística global. A forma como o vírus se propagou foi na
medida deste mundo global, chegou a todos.
É
relevante e necessário que nos novos desafios deste mundo procuremos ser
convergentes e não divergentes. O “nós” sobrepõe-se ao “eu”. O conjunto é mais
relevante do que as partes. O propósito impõe-se aos meios. No passado
agrupamos as organizações em relação ao lucro, denominando-as “com e sem fins
lucrativos”. De facto, deveria ter sido “com e sem meios lucrativos” já que
hoje é aceite que o lucro, sendo importante, não é a finalidade de uma
organização, podendo (de devendo!) ser um maior para a sua sustentabilidade. Do
mesmo modo, não o ter ou não o perspetivar é curto no que uma organização pode
ambicionar. Num caso ou no outro, não é, de todo, a sua missão nem o seu
propósito. A finalidade de qualquer organização é criar valor e contribuir para
a justa distribuição, com impacto.
A finalidade de qualquer organização é criar valor e contribuir para a justa distribuição, com impacto.
O
mundo não se pode dividir em silos, mas precisa de ser convergente, em modelos,
em critérios, em linguagem. Em formas de liderar. Todas as organizações deverão
criar valor económico, social e ecológico. Cabe às organizações “com fins
lucrativos” entenderem que a sua finalidade e propósito vai para lá do lucro (a
título de exemplo, o caso da Nike cujo propósito é (“Unir o mundo através do
desporto para criar um mundo mais saudável, com comunidades ativas com
oportunidades para todos”) ou para as organizações “sem fins lucrativos”
entenderem que não são estritamente sociais, mas devem ir para lá dessa
realidade a que se propõem, com uma proposta de valor que seja percecionada
(por exemplo “melhorar a qualidade de vida daqueles que serve”).
Os
recursos são limitados e por isso é preciso conseguir-se mais com menos
recursos. Por tudo isso se deverá ter este foco de convergência na resolução
dos problemas, nas vontades e nas soluções, com particular enfoque nos
resultados que se podem, em conjunto, atingir. Numa linguagem que seja comum e
acessível a todos, mas também na economia e na sociedade. As clivagens do
passado tenderão a esbater-se. Já não se poderá dividir as organizações em “com
fins lucrativos” e “sem fins lucrativos” pois o lucro deixará de ser o
critério, a finalidade das empresas. E a ausência deste critério (o lucro) não
poderá ser também o que irá definir o que se denomina por economia social ou
terceiro setor. Há uma enorme, enormíssima responsabilidade social que incide
sobre as empresas (desde logo com os seus colaboradores e famílias, mas também
com terceiros) do mesmo modo que há uma responsabilidade de aportar valor, em
modo próprio, partilhado ou complementar, na economia social. Cabe ainda à
economia social o importante papel de ser um agente que promove a transformação
do sector empresarial em particular, ao invés de se posicionar como recetor de
ajuda ou financiamento. Por outro lado, a visão corporativa, no bom uso dos
recursos, na capacidade de aceder a mais recursos, numa liderança e serviço
para o impacto, na busca de soluções inovadoras, é muito enriquecedora se for
também colocada ao serviço da economia social.
Já
não se poderá dividir as organizações em “com fins lucrativos” e “sem fins
lucrativos”
Mas,
o menu não é o prato que nos colocam à frente, nem o mapa é o terreno. No
primeiro, poderemos, perante um mesmo pedido apreciar ou não, superar ou não as
expectativas e no segundo confrontamo-nos com as dificuldades do terreno,
surpresas inesperadas, situações de stress, obstáculos ou armadilhas. Poderemos
definir princípios orientadores, procurar cumpri-los, estar despertos para a
sua importância, mas não o conseguir concretizar. Ainda recentemente, com a
pandemia, nos vimos confrontados com dificuldades novas e inesperadas, decisões
difíceis por tomar.
Num
mundo cada vez mais exigente, na necessidade de se atender a clientes,
fornecedores, colaboradores e suas famílias, acionistas, reguladores ou
supervisores, competidores locais ou globais, em que o tempo corre a uma
velocidade instantânea, surgem novas oportunidades para as empresas se diferenciarem,
ganharem um novo propósito, atrair novos talentos, desenvolver novas
capacidades com a tecnologia. Sobretudo, o ganhar de uma nova consciência de
que a empresa tem uma finalidade que vai para lá dos resultados financeiros.
Por isso, todas as organizações devem convergir no sentido de contribuírem para
a criação de valor econômico, social, ecológico, mas, também, pessoal,
familiar, comunitário e partilhado, em suma, criação de valor para uma
verdadeira Sociedade do Cuidado. Também na promoção de capacidades partilhadas,
no uso dos recursos. Neste contexto, estaremos mais próximos, mais interligados
e poderemos cuidar dos outros de outra forma, não atuando como ilhas isoladas,
mas em rede. Os problemas não serão “de outro”, “de terceiros”, mas constituir-se-ão
como convocatória para se assumirem de forma pessoal e envolvente.
uma
nova consciência de que a empresa tem uma finalidade que vai para lá dos
resultados financeiros
É
de suma importância entender a relevância e o tipo de resposta que as
organizações se propõem dar (todas sem exceção) em termos de muitos dos
desafios já referidos, mas ou em termos de ESG – componentes ecológica, social
e de governo – ou ainda o contributo, mesmo que pequeno, para os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) ou na forma de comunicação GRI (Global
Reporting Intiative).
Estes
são marcos, objetivos e por detrás têm nomenclaturas, metodologias, formas de
abordagem bastante desenvolvidas a que a maioria das empresas, mas, sobretudo
os seus líderes, deverão aderir. Muito investimentos são avaliados com novas
métricas, relativas ao contributo (ou não) que é dado a este nível, variando os
critérios de avaliação de forma a valorizar ou penalizar o investimento ou os
intervenientes.
A
promoção da economia circular, o respeito pelas pessoas e suas famílias, a
responsabilidade social interna e externa em termos de impacto, o bom governo
que promova a ética nas organizações e nos líderes, a transparência de
processos e de informação, uma cultura colaborativa e participativa, a
interação estreita e próxima com outras entidades são muitos dos aspetos
imprescindíveis que devem ser cuidados e promovidos. Não há bom negócio sem que
estes temas sejam salvaguardados.
Qualquer
um dos pilares – ecológico, social ou de governo – deve fazer parte integrante
do negócio e não ser tratado à parte. Por isso mesmo é importante que no futuro
a “responsabilidade social corporativa” não venha de uma área distinta, de
fora, mas faça parte dos critérios de avaliação e de decisão do negócio,
plenamente integrada.
é importante que no futuro a “responsabilidade social corporativa” não venha de uma área distinta, de fora, mas faça parte dos critérios de avaliação e de decisão do negócio, plenamente integrada.
Tenho
colaborado em contextos corporativos, sociais, fundacionais e sinto-me muito
enriquecido e agradecido pois em todos aprendo e sirvo, procurando, sempre,
acrescentar valor e contribuir para um bem maior que vai para lá de um
interesse pessoal. É tanto o que está ao nosso alcance fazer, se nos alinharmos
com estes propósitos.
João
Pedro Tavares
(¹) Economia de Francisco e o Desenvolvimento Humano Integral - A Responsabilidade dos Líderes e das Empresas e a Dignidade no Trabalho, artigo de Filipe Coelho e João Pedro Tavares, publicado em “A Sociedade do Cuidado”