Autor: Paula Guimarães
O DEVER DA SUSTENTABILIDADE
Ao longo das últimas décadas o tema da sustentabilidade
evoluiu de uma excentricidade para uma inevitabilidade. As primeiras
organizações a pensarem no tema eram olhadas com desconfiança e preocupações
com a dimensão social, ambiental e cultural eram entendidas como uma atuação
caritativa ou uma expressão de singularidade dos CEOS.
Vozes críticas de economistas de relevo diziam mesmo que os
únicos deveres das empresas era criarem valor e emprego e que pensar noutras
dimensões era tarefa do Estado e do setor social.
Em Portugal fizemos uma evolução extraordinária em pouco
tempo e os conceitos de sustentabilidade, responsabilidade social ou ODS já são
conhecidos pela grande maioria dos empresários. Graças a entidades como o
GRACE, BCSD e APEE, a reflexão e a prática em torno deste grande desafio ganhou
implantação crescente no setor corporativo e domina os discursos e as práticas
dos principais atores económicos.
O aprofundamento do ESG e o reforço do enquadramento
jurídico, cada vez mais exigente, vieram tornar incontornáveis as questões do
combate à corrupção, a promoção da diversidade e igualdade de género e a defesa
dos direitos laborais e da conciliação trabalho e família. Não se trata apenas
de cumprir a lei mas sim de antecipar a sua evolução, de ter uma visão
integrada e poliédrica da empresa e de estar atento ao impacto global da sua
atuação.
Definir e cumprir uma estratégia de
sustentabilidade não é uma questão de conformidade é uma questão de
sobrevivência
Por isso e, apesar do caminho percorrido, continua a ser
necessário investir no tema, na capacitação dos atores e, sobretudo, na
coerência entre os princípios e as práticas. Não há organizações perfeitas, mas
há organizações que procuram o seu permanente aperfeiçoamento integrado e
integral.
O Estado Português e a União Europeia têm produzido muitas
diretivas e regulamentação, tendentes a orientar e a tornar obrigatórias
dimensões como o reporte, mas não basta a proliferação de comandos legais para
criar um contexto favorável ao desenvolvimento de uma cultura de
sustentabilidade transversal a todas as organizações.
Também na área da sustentabilidade temos um país a várias
velocidades, com empresas percursoras e inovadoras e outras que avançam a
reboque da entrada em vigor da legislação.
Temos também um setor social que se iniciou há pouco neste
domínio e que ainda está a desbravar caminho. Face a esta heterogeneidade é
difícil estabilizar cadeias de valor convergentes em matéria de preocupações
ambientais e sociais, fragilidade que compromete o avanço global da sociedade
portuguesa.
Precisamos, por isso, de políticas públicas que complementem
a obrigatoriedade com o incentivo pedagógico, que promovam uma discriminação
positiva para as organizações que vão mais além do cumprimento das normas e que
inovam, experimentam e elegem como pontos centrais da sua agenda os temas do
impacto, do combate à pobreza, do desenvolvimento dos territórios, da
preservação das espécies, etc…
Precisamos de políticas públicas que
promovam uma discriminação positiva para as organizações que vão mais além
Ser sustentável é fundamental no presente e no futuro e será
um fator de diferenciação e até de continuidade das organizações mas, por
enquanto, pode até constituir um obstáculo à competitividade e à obtenção de
proveitos.
A tentação de fazer negócio rapidamente é incompatível com a
adoção de uma estratégia de sementeira para a sustentabilidade. A organização
que aposta num futuro consistente tem que estar preparada para consequências
imediatas e as políticas públicas deviam estar atentas e preparadas para
compensar as entidades que apostam na sustentabilidade com custos elevados a
curto prazo.
Também no que respeita à economia social, o Estado deve
estimular o desenvolvimento das práticas de sustentabilidade, revolucionar os
modelos de governo e incorporar nos indicadores de excelência a adoção de
práticas de sustentabilidade nos seus diversos pilares.
Talvez o maior desafio seja ao nível da avaliação,
transparência e do reporte, devendo as políticas públicas de cooperação,
incentivando as entidades a avaliar a sua intervenção, a comunicarem junto de
todas as suas partes interessadas e não apenas junto da estruturas de
supervisão.
Talvez o maior desafio seja ao nível
da avaliação, transparência e do reporte
As estruturas da economia social, sobretudo as que operam ao
abrigo de protocolos de cooperação, têm que aprimorar a forma como demonstram a
ação que desenvolvem e a mudança que operam.
Para este tipo de entidades tem um dever acrescido de
transparência e a sustentabilidade é uma verdadeira licença para operar. São e
devem ser, cada vez mais, um exemplo de coerência entre a missão e o modelo de
governo.
Se virmos a sustentabilidade como um edifício em construção
qualquer entidade começa o seu processo de edificação ética por estabelecer
sólidos alicerces e nenhum é mais relevante do que o outro.
Para todas as empresas e organizações, os quatro pilares são
fundamentais e devem estar interligados de modo a firmarem, de forma
equilibrada, o desenvolvimento das organizações. Consoante a natureza das
entidades um ou outro aparecem com maior relevância, mas é muito importante que
sejam encarados numa perspetiva de complementaridade.
Quando pensamos num modelo de governação baseado em modelos
de liderança colaborativa em que os diversos setores das organizações se
relacionam de forma interdependente e co-responsável percebemos que todos os
pilares se influenciam.
Deve ser meta para qualquer entidade o aperfeiçoamento
equilibrado e simultâneo de todos os pilares, porque só assim poderemos estar
perante uma empresa ou organização sustentável.
O próprio conceito de ESG abrange as dimensões social, do
ambiente e da governação, no sentido em que não devemos falar separadamente dos
diversos pilares e que só podemos tomar como referência, empresas que estejam
um caminho holístico de sustentabilidade.
Permito-me, no entanto, chamar a atenção para o pilar
cultural, que continua a ser um parente pobre nas empresas e organizações que
não atuam especificamente nesse segmento de atividade.
o pilar cultural continua a ser um
parente pobre nas empresas e organizações
Entendido como o quarto pilar, esta dimensão só merece
referência e reflexão em 2001 e por isso perde força face às vertentes social,
económica e ambiental presentes desde os primórdios da sustentabilidade.
E, todavia, a cultura é essencial para a afirmação da
tolerância, para a promoção da diversidade, para o respeito pelos territórios e
pela identidade dos povos. Tal como a Unesco bem realça, a cultura é um fator
critico para combater a pobreza, para estimular a participação social e
política, para consolidar a democracia e a equidade.
A cultura é transversal a quase todos os ODS, inspira os
princípios do Global Compact e é uma alavanca para a relação entre a empresa e
os seus colaboradores e também com a comunidade onde está implementada.
Paula Guimarães