O NOVO “NORMAL” DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Autor: Susana Ramos Pereira

O NOVO “NORMAL” DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

O Covid-19 trouxe-nos um “novo normal”. Nada poderá voltar a ser igual…, algo de muito profundo tem de ter mudado em nós.

De um dia para o outro, o MEDO invadiu-nos a todos/as. Algo invisível e nunca esperado, chegou e de repente, mudou tudo.

Hoje, olhando para trás, parece que, (passando a parábola) estávamos todas/os encarreirados como formiguinhas a fazer o nosso trabalho (bem ou menos bem!) e … algo chegou e misturou tudo. Tivemos que redescobrir os nossos caminhos, nesta nova “normalidade” que nos distanciou socialmente, mas que, se o conseguirmos, nos aproximará enquanto seres humanos.

nova “normalidade” que nos distanciou socialmente, mas que, se o conseguirmos, nos aproximará enquanto seres humanos

Mas, o caminho faz-se assim, caminhando, e também a nossa Associação, respondendo às orientações da DGS, “fechou” portas, desinfetou, ligou mais telefones e computadores, e no isolamento a que a pandemia nos lançou, deu continuidade às nossas vidas e trabalho – em teletrabalho.

[Seria tão positivo se desta pandemia, surgissem maiores simetrias na família. Mas estará a sociedade pronta para valorizar mais as profissões associadas à prestação de cuidados?]

E este tempo que passámos em casa, em teletrabalho, com videochamadas, telefones a tocar e tentativas de dar resposta a todas as solicitações, foram dias estranhos, dias de emoções "em banho Maria'. Adiámos os beijos, os abraços e os brindes a dias melhores! Restaram as palavras: As palavras-beijo e as palavras-abraço.

Continuámos a ser mulheres, mães, filhas, esposas, profissionais na linha da frente, e afinal…, não, não mudou tudo!

A desigualdade entre homens e mulheres foi ainda mais visível. Na linha da frente houve mulheres, presencialmente ou em teletrabalho, que tiveram de continuar a organizar toda a vida da sua casa ou de arranjar quem as substituísse.

Ao mesmo tempo que houve uma quebra nos empregos remunerados, o trabalho de prestação de cuidados não remunerado, sobretudo a cargo das mulheres, aumentou exponencialmente como resultado do encerramento das escolas, dos centros de dia e do aumento das necessidades com a população idosa.

o trabalho de prestação de cuidados não remunerado, sobretudo a cargo das mulheres, aumentou exponencialmente

Quase 60% das mulheres em todo o mundo trabalham nesta economia informal, de cuidado, estando agora a ganhar menos, a economizar menos e com maior risco de cair em situação de pobreza.

No Relatório “O impacto do Covid-19 nas mulheres”, publicado pela ONU, lê-se que: “Segundo os dados, no mundo, ao longo da pandemia está a verificar-se um aumento de casos de violência contra as mulheres. Quase uma em cada cinco mulheres no mundo foi vítima de violência no ano passado (2019). “Muitas dessas mulheres estão agora presas em casa com os seus agressores, lutando para aceder a serviços que estão a ter cortes e restrições”.

Quase uma em cada cinco mulheres no mundo foi vítima de violência

E se inicialmente a pandemia pareceu “calar” as vítimas de violência doméstica (apesar do aumento de situações de violência doméstica na sequência da situação de isolamento e, consequentemente, da presença constante da pessoa agressora), com o primeiro desconfinamento o número de pedidos de ajuda mais do que duplicou. E foi subindo…

Por causa da pandemia COVID-19 e do estado de Emergência as pessoas ficaram mais isoladas e aumentou o risco de surgirem situações de violência.

Este, foi um período particularmente crítico no que respeita à prevenção e intervenção junto de vítimas de violência doméstica, já que estas se encontravam “encerradas” em casa com a pessoa agressora.

No entanto, segundo os dados do segundo trimestre do ano, disponibilizados pelo gabinete da Ministra de Estado e da Presidência o número de homicídios em contexto de violência doméstica baixou no período em análise, com menos 28,6% relativamente ao período homólogo, tendo o homicídio de homens decrescido em 50% (passou de dois para um) e o de mulheres 40% (passando de cinco para três vítimas).

No que se refere ao número de agressores em situação de reclusão houve um crescimento que se deveu, sobretudo, ao aumento de 11,7% dos “reclusos em cumprimento de pena de prisão efetiva”, o equivalente, no segundo trimestre de 2020, a 847 pessoas.

A prisão preventiva subiu 4,3%, dos 208 agressores registados no segundo trimestre de 2019 para os 217 do segundo trimestre de 2020.

O afastamento como medida de coação aplicado pelo crime de violência doméstica subiu 29,5% no período em análise.

O aumento deveu-se, sobretudo, ao afastamento com “vigilância eletrónica” (mais 39,2%, tendo passado de 416 para 579 agressores).

As vítimas abrangidas pela teleassistência (o denominado “botão de pânico”) aumentaram 30,1%, tendo passado de 2.774 para 3.608.

As vítimas abrangidas pela teleassistência (o denominado “botão de pânico”) aumentaram 30,1%, tendo passado de 2.774 para 3.608.

Ainda em março 2020, o governo criou duas novas casas de abrigo de emergência para vítimas de violência doméstica, com vista ao cumprimento cabal da quarentena obrigatória de 14 dias à entrada em cada resposta. E a importância destas duas novas casas tem sido extrema para dar resposta às necessidades.

Estão ainda a ser criadas três novas estruturas destinadas a Mulheres Idosas vítimas de violência doméstica, o que é extrema importância pelas diferentes necessidades das Vítimas idosas, e pelo crescimento deste tipo de Violência Doméstica.

A Violência física, psicológica ou sexual contra as mulheres é um ato cobarde que não pode ficar impune.

A Violência física, psicológica ou sexual contra as mulheres é um ato cobarde que não pode ficar impune.

Estima-se que entre nós, a Violência Contra as Mulheres no espaço Doméstico é a principal causa de morte e invalidez entre as mulheres dos 16 aos 44 anos, o que denuncia a gravidade deste fenómeno.

Este crime não é perpetrado apenas por maridos, companheiros ou namorados, mas também por ex-maridos, ex-companheiros, ex-namorados e por pessoas com quem a vítima tem ou teve uma relação de familiaridade ou manteve um relacionamento íntimo.

A Pandemia Covid-19 o aumento do desemprego, a pressão económica e as frustrações que daqui decorrem, os homens agressores recorrem a métodos mais contundentes, expondo diariamente as mulheres e as crianças a uma violência extrema.

Face a este flagelo é preciso atuar promovendo um maior equilíbrio nos papéis sociais desempenhados pelas mulheres e pelos homens, não perdendo de vista a necessidade do empoderamento das mulheres.

A Violência Doméstica é um Crime Público. Denunciá-la é um ato de cidadania!

A Violência Doméstica é um Crime Público. Denunciá-la é um ato de cidadania!

No último ano … tudo mudou, mas estamos mais fortes, e esta pandemia serviu para nos apercebermos da grande vulnerabilidade do ser humano. …

Ou pelo menos assim esperamos!!

Por Susana Ramos Pereira, Presidente da Mulher Século XXI

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