Responsabilidade Social Corporativa: há outro caminho para as empresas?

Autor: Nuno Moreira da Cruz

Responsabilidade Social Corporativa: há outro caminho para as empresas?

A necessidade de as empresas operarem de uma forma social e ambientalmente mais responsável é já uma inegável realidade. Movidos pela força da exigência de cidadãos e clientes, aquelas que não o entenderem hoje, terão muita dificuldade em sobreviver amanhã.

No que respeita ao ambiente, as provas científicas da sua degradação são mais do que evidentes e é uma área onde é mais fácil às empresas partirem rapidamente para a ação - é tema “institucionalizado”, já poucos duvidam da necessidade de agir. Por outras palavras, poucas empresas ousam esquecer estes desafios e agir em conformidade.

O mesmo não é inteiramente verdade para as preocupações sociais, onde há ainda muito a fazer para que ganhem o mesmo estatuto que as suas “congéneres” ambientais. Diria que as preocupações sociais levam uma década de atraso face às ambientais.

Este é o contexto em que as empresas devem entender atualmente o conceito de responsabilidade social corporativa, onde tipicamente se insere muito do apoio por elas prestado, em geral a organizações de caracter mais social e mais especificamente a Instituições Particulares de Solidariedade Social.

A estratégia das empresas neste “novo mundo” terá de passar pela criação “ab initio” de valor partilhado entre a própria empresa e a sociedade onde se integra, sendo as IPSS um dos principais beneficiados se tal ocorrer.

No futuro, a criação de valor só será sustentadamente obtida quando os interesses de todos os “stakeholders” relevantes (empregados, clientes, comunidades locais) forem tidos em conta na definição da estratégia corporativa. A atual preocupação quase exclusiva com o interesse dos acionistas tenderá a esbater-se.

Estes novos desafios significam que os clientes (e “stakeholders” em geral) não estarão simplesmente disponíveis para comprar produtos e serviços, mas sim para comprar produtos e serviços sustentáveis (no sentido holístico do conceito que abrange as vertentes económica, social e ambiental).

E aqui há um papel fundamental que cidadãos e consumidores terão de jogar. Temos um sério problema de liderança política em todo o mundo (com poucas exceções) e chegou a hora para cidadãos e consumidores depositarem a confiança e esperança em líderes de empresas “responsáveis”. Apenas as empresas têm os recursos, processos e habilidades para ser uma força de mudança e, impulsionados pelos consumidores, uma força para o bem. Será difícil continuar a acreditar que os governos e os políticos serão capazes de inverter este trajeto e ritmo nefasto.

Cidadãos e consumidores tomam decisões diárias sobre o que fazer para proteger o meio ambiente, para terminar com desigualdades sociais e sobre “o que e a quem comprar”. Estudos de mercado indicam uma tendência clara dos consumidores para comprar, mais e melhor, produtos e serviços de empresas que reconhecidamente estejam a fazer a diferença na sustentabilidade.E este círculo virtuoso irá capacitar cada vez mais essas empresas para impulsionar a sua agenda de sustentabilidade.

Dito isto, creio que há várias tendências sociais que vão fazendo o seu caminho. Destacaria cinco, sob a forma de perguntas a que o futuro próximo dará resposta:

1. Antecipar a próxima questão social inaceitável?

Acredito que as empresas vão sentir a necessidade de incluir nos seus processos de decisão de investimento, a resposta à seguinte pergunta: "O que estamos a decidir hoje é aceitável do ponto de vista social. Mas será que o vai ser no futuro?”. Antecipar a próxima questão social inaceitável pode-se tornar numa fonte de vantagem competitiva. Ou, no mínimo, uma forma de mitigar o risco e a destruição de valor.

2. Aceitar a empregabilidade como responsabilidade social?

Empregos para a vida é característica de um passado distante, as empresas não têm obrigação de assumir qualquer responsabilidade nessa matéria. Mas há algo em que realmente acredito: é responsabilidade social das empresas garantir a empregabilidade dos seus colaboradores. As empresas socialmente responsáveis devem garantir que, sempre que um colaborador deva sair (seja qual for o motivo), eles devem sair como melhores profissionais e melhores seres humanos do que eram quando entraram. Formação e valores de empresa são a pedra basilar para o cumprimento dessa responsabilidade.

3. Globalização muda o papel das multinacionais?

Uma nova dimensão, muito interessante, do papel corporativo neste "novo mundo sustentável " parece emergir. Em países onde os governos não fazem o seu "trabalho” (regular, controlar e sancionar questões-chave da sustentabilidade), a que se podem hoje “agarrar” os seus cidadãos? A resposta é cada vez mais óbvia: às grandes corporações que operam em todo o mundo, e que não podem mais ignorar esses desafios. Não há espaço no nosso mundo global para “dual standards” na forma como se conduzem as operações. Um exemplo: se no país da casa-mãe não há exploração fabril infantil, como pode uma multinacional “fechar os olhos” a isso em outro local onde opere?

Visto por outro prisma: as empresas que abordem essas questões em países menos desenvolvidos de uma forma mais "sustentável", terão muito mais capacidade para fidelizar clientes nos seus mercados de origem.

4. "Soft is the new Hard"?

Claridade sobre valores, construção conjunta de uma visão, gerir com o coração, desenvolver “sense of purpose”: praticas que se tornarão, mais do que nunca, em habilidades chave de liderança sustentável. Com a maioria das atividades profissionais a serem substituídas por máquinas, essas são as práticas que farão a diferença, tendo sempre a consciência de que aqueles que lideramos são, antes de mais, seres humanos. Ninguém entra diariamente na empresa deixando à porta a pele do pai/mãe, filho/filha, esposa/marido, jogador de golfe, apaixonado por cães...É todo o ser humano que entra, e é esse ser humano que tem de ser gerido.

5. “Neutralidade” tem os dias contados?

A globalização e a tecnologia estão a canalizar todas as questões ambientais e sociais mais importantes para a arena pública global. Direitos humanos, trabalho infantil, escassez de água, qualidade do ar, pobreza, tudo questões críticas para as quais nós, cidadãos e consumidores, estamos cada vez mais sensíveis. Manter a neutralidade, evitando tomar posição nestes temas, será, para as empresas e CEO’s, tarefa cada vez mais complicada. Os consumidores tenderão a penalizar aquelas que não “agarrem” as grandes causas mundiais, por muito que o “conforto do silêncio” pareça ser o caminho mais prudente.

E termino parafraseando algo já ouvido algures: “Acredito que, se as empresas não se transformarem em empresas social e ambientalmente mais responsáveis porque é o melhor para o mundo em que vivemos, então devem fazê-lo porque é o melhor para os seus negócios”.

Por Nuno Moreira da Cruz, presidente do CADIn - Neurodesenvolvimento e Inclusão

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