O vestido azul e a gotinha de água

Autor: Maria do Céu Guitart

O vestido azul e a gotinha de água

Há livros, histórias e frases que nos marcam para sempre.

E nesse aspeto (além, evidentemente, de muitos outros) a ficção tem um papel fundamental.

Os contos e histórias infantis colam-se-nos à pele como fazendo parte do nosso imaginário e o Renato do “Sem Família” de Hector Malot, o Zezé de “O meu Pé de Laranja Lima” de José Mauro de Vasconcelos, a Sara Crewe de “A Princesinha” de Frances Hodgson Burnett, brincaram connosco quando éramos criança e fizeram-nos chorar muitas vezes e sentir um desejo imenso de lhes dar a mão e os abraçar.

Conseguirmos colocar-nos no lugar do outro, experienciarmos as suas vivências como sendo nossas, são pilares que permitem a estruturação da empatia.

E sem empatia não há o desenvolvimento da inteligência emocional, não há a compreensão e o respeito pelo próximo, não há o desejo de querermos mudar o mundo ajudando os que mais sofrem.

É, pois, a empatia que nos faz saltar da comodidade do nosso sofá e ir ao encontro do outro, é a empatia que nos leva a juntarmo-nos e lutarmos por uma causa, é a empatia que nos impele a formar associações que venham colmatar as tantas faltas que existem e que persistem na sociedade para lutarmos pelos direitos dos mais vulneráveis, é, pois, a empatia a base do espírito solidário que sustenta o Terceiro Setor.

Porque todos somos responsáveis.

E o mais pequeno gesto pode mudar vidas.

empatia a base do espírito solidário que sustenta o Terceiro Setor.

O Vestido Azul é um exemplo paradigmático deste conceito.

Para quem não conhece ou não recorda, eis a história:

Num bairro pobre de uma cidade distante, morava uma menina pobre.

Acontece que essa menina frequentava as aulas da escolinha local no mais lamentável estado: as suas roupas eram tão velhas que o professor resolveu dar-lhe um vestido novo.

Assim raciocinou o professor: "é uma pena que uma aluna tão encantadora venha às aulas desarrumada desse jeito. Talvez, com algum sacrifício, eu pudesse comprar-lhe um lindo vestido azul."

Quando a menina recebeu a roupa nova, a mãe não achou razoável que, com aquele traje tão bonito, a filha continuasse a ir ao colégio suja como sempre, e começou a dar-lhe banho todos os dias, antes das aulas.

Ao fim de uma semana, disse o pai:

"Mulher, você não acha uma vergonha que nossa filha, sendo tão bonita e bem arrumada, more num lugar como este, caindo aos pedaços? Que tal você ajeitar um pouco a casa, enquanto eu, nas horas vagas, vou dando uma pintura nas paredes, consertando a cerca, plantando um jardim?"

E assim fez o humilde casal.

Até que a sua casa ficou muito mais bonita que todas as casas da rua e os vizinhos se envergonharam e se puseram também a reformar as suas residências.

Desse modo, todo o bairro melhorava a olhos vistos, quando por isso passou um político que, bem impressionado, disse:

"É lamentável que gente tão esforçada não receba nenhuma ajuda do governo".

E dali saiu para ir falar com o presidente, que o autorizou a organizar uma comissão para estudar que melhoramentos eram necessários ao bairro.

Dessa primeira comissão surgiram muitas outras e hoje, por todo o país, elas ajudaram os bairros pobres a se reconstruírem.

E pensar que tudo começou com um vestido azul.

Não era intenção daquele simples professor consertar toda a rua, nem criar um organismo que socorresse os bairros abandonados de todo o país.

Mas ele fez o que podia, ele deu a sua parte, ele fez o primeiro movimento, do qual se desencadeou toda aquela transformação. É difícil reconstruir um bairro, mas é possível dar um vestido azul.

O primeiro gesto de generosidade e de solidariedade, a oferta de um vestido azul, aparentemente insignificante, provocou, pois, uma cadeia de outros gestos que gradualmente foram mudando e melhorando significativamente a vida de todo um país.

É apenas uma história, diriam alguns, mas simboliza perfeitamente um conceito essencial: o mais pequeno gesto em direção ao outro é fundamental e pode mudar o futuro.

Está, portanto, ao alcance de todos nós, melhorarmos o mundo, e isso constitui uma responsabilidade inimaginável.

o mais pequeno gesto em direção ao outro é fundamental e pode mudar o futuro

Ubuntu, uma palavra de origem africana, exprime perfeitamente esta consciência da relação entre o indivíduo e a comunidade, e significa “eu-sou-com-os-outros”, “eu sou porque nós somos”.

Não podemos eximir-nos da responsabilidade para com a Humanidade por sermos tão pequeninos perante o Universo. Porque nós somos a Humanidade.

E porque todos gostamos de histórias, eis mais uma que também traduz exemplarmente este conceito:

Havia um grande incêndio numa floresta. Preocupados, os animais fugiam da selva em chamas. Quando todos se encontraram num lugar seguro, bem distante do fogo, ficaram apenas a olhar. Eles sentiam que nada podiam fazer pois o incêndio era enorme. No entanto, um pequeno colibri decidiu que tentaria apagar o fogo. O pássaro foi até um rio próximo, apanhou uma gota de água, sobrevoou a floresta em chamas e lançou a gota que carregava no bico. Enquanto ele ia e vinha, os outros animais perguntavam: “O que estás a fazer? Não vais conseguir! Tu és muito pequeno e este incêndio é muito grande!”.

Mas o colibri estava convencido de que podia ajudar a apagar o incêndio e, continuando a atirar pequenas gotas às chamas que consumiam as árvores, respondeu “Eu faço a minha parte!”

Sejamos pois, todos nós, como o colibri com a gotinha de água ou o professor que oferece um vestido novo: façamos a nossa parte e demos o primeiro passo.

Porque nós-só-somos-com-os-outros e o futuro da Humanidade depende de cada um de nós.

Por Maria do Céu Guitart, presidente da Associação Meninos de Oiro.

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