Autismo: Um novo impulso para a civilização

Autor: Joe Santos

Autismo: Um novo impulso para a civilização

No meu Caminho até Santiago deparei-me com um mural de street painting que mostrava uma bela paisagem das Rias Baixas, onde se lia: “AO MEU EXTERMÍNIO CHAMAM-LHE PROGR€SSO”.


Estava a fazer o Caminho de uma forma peculiar! Sozinho, sem dinheiro e com um objetivo: aprender a confiar.

Caminhar sem dinheiro e sozinho, permite-te ser muito mais observador e muito mais paciente do que somos habitualmente. Também as experiências na interação com os outros - partindo de uma posição de total humildade e dependência - permitem refletir muito sobre as coisas que damos por certas e sobre o que sonhamos que devia ser “o mundo ideal”.

No tal mural tinham escrito “Progr€sso” com um símbolo do Euro em vez da letra “e”.

Lembrei-me do olhar julgador do senhor no café quando perguntei se queriam convidar-me para tomar um café (expliquei o que estava a fazer e acrescentei que estava disponível para ajudar no que precisassem) e do senhor do albergue que não me permitiu dormir, nem na relva exterior deste “albergue público para peregrinos”. Mas também me lembrei da maioria das pessoas com quem me cruzei, que foram amigas, que me ofereceram comida e cumprimentaram o peregrino que fazia o caminho sozinho e sem comida.

O que separava essas duas formas de ser tratado?

E pensei:

A sociedade julga as pessoas pela sua capacidade de produzir e de consumir. Se tens um diploma, um cargo importante em alguma empresa ou algum reconhecimento pelos teus níveis de produtividade (independentemente de seres eficiente no desempenho das tarefas) então és visto como uma pessoa produtiva ou “bem sucedida”.

Também existem muitas pessoas que a sociedade julga como “bem sucedidas”, que não subiram a escada corporativa ou dos negócios, mas aparecem nas redes sociais ou na televisão usando marcas de luxo do costume (independentemente de serem eles que compram as marcas que vestem ou de elas serem usadas apenas para as fotografias), por heranças, sorte, ou porque o destino assim o quis.

Agora, pessoas com Autismo são vistas como pessoas diferentes (nós gostamos de chamá-las como chamamos a Todas as pessoas: “únicas”). Muitas delas nem produzem, nem consomem, simplesmente vivem, simplesmente são.

Mas, vejamos por outro ponto de vista:

As pessoas com Autismo aceitam toda a gente e todas as opiniões - apesar dos disparates que tão frequentemente lhes são atribuídos! - e dizem exatamente o que pensam (gostes ou não de o ouvir - portanto, são sinceras). Elas priorizam ser felizes. Priorizam tirar os problemas da cabeça.

Priorizam cuidar de si sem magoar ninguém à sua volta.

Se o nosso sistema de medição e categorização das pessoas na sociedade fosse humano em vez de mecânico-monetário (produtividade e consumo), onde é que ficavam na classificação as pessoas com Autismo?

Trabalhar e conviver com pessoas com Autismo exige-nos subir ao nível delas: priorizar a sinceridade, a felicidade, a aceitação...

Aqui está o grande e belíssimo contra senso do Autismo - pessoas julgadas como inferiores, como incapazes, como deficientes (do tal ponto de vista que a sociedade venera) - mas que na sua vida, puxam por nós para abrirmos os olhos, para relativizarmos o ritmo, para conectar humanamente com o outro, para tentarmos perceber mesmo o que lhes pode estar a causar algum desconforto sensorial, para comunicarmos com a essência do outro ser humano.

Dou sempre o exemplo que tenho mais próximo, o da minha enteada - a quem amo como se fosse minha filha - quando a conheci, há mais de 10 anos, não olhava nos olhos, falava sozinha, não tinha hipótese de seguir o ritmo da escola, até comia a sopa com os cabelos lá dentro. E esta miúda fez com que déssemos a volta à nossa vida para “a ajudar”.

Nesta mágica viagem, ela superou todos os desafios próprios do Autismo, que a impediam de ser autónoma, e isso sim é um grande sucesso, mas a verdadeira magia do Autismo é como a Caui impactou na vida de todas as pessoas à sua volta. Não conheço ninguém que depois de a conhecer se tenha tornado pior ser humano, mas conheço dezenas de pessoas que hoje são muito melhores seres humanos do que antes.

Nós pensávamos que a estávamos a ajudar… mas a verdade é que era ela a que estava a orquestrar uma grande mudança em nós e à nossa volta. Motivados pela viagem com a Caui, criámos a Vencer Autismo, instituição que já provocou a evolução positiva de milhares de pessoas com autismo e dos seus cuidadores.

Ela nunca pediu que fizéssemos horas e horas de terapia com ela. Ela nunca pediu que ajudássemos mais pessoas. Ela nunca pediu nada, mas mudou tudo. É esse o milagre do Autismo, eles mudam tudo sem “fazer” nada, tal e qual fazem os seres espiritualmente iluminados.

O Autismo convida-nos a ver de outro prisma, de outro ponto de vista: O Autismo é um novo impulso para a civilização.


Em 2019, a Caui e eu fomos convidados para dar 3 palestras em Varsóvia, onde comprei esta t-shirt que diz, em polaco, “Autismo, um novo impulso para a civilização”. É a minha t-shirt preferida.

P.S. Hoje a Caui tem 21 anos e estuda para ser atriz. Podem ver AQUI o seu TED Talk de novembro 2019 em Ourense (Espanha)

Por Joe Santos, co-fundador da Vencer Autismo

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