Autor: Pedro Aragão Morais
SEM-ABRIGO
INTRODUÇÃO
Em 2013, o número de pessoas acompanhadas no âmbito da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo, foi de 4.420. Pessoas que viviam em jardins, estações de metro ou camionagem, paragens de autocarro, estacionamentos, passeios, viadutos, pontes e outros abrigos. No entanto, este número não espelha a totalidade do fenómeno, pois não contabiliza, nomeadamente, todos aqueles que vivem em prédios devolutos. Essa Estratégia Nacional incide sobre três áreas específicas: Prevenção; Intervenção; Acompanhamento. Reconhecendo a complexidade do fenómeno semabrigo onde, para além do direito à habitação há que garantir todos os outros direitos, a Comissão Europeia refere que não é possível colocar o enfoque apenas nas pessoas que vivem na rua, mas considerar o fenómeno das pessoas sem-abrigo numa perspectiva mais abrangente.
ÂMBITO
O CENSOS
2011, ao ter procurado pela primeira vez contabilizar o número de
Sem-abrigo existentes em Portugal, despoletou, na altura, uma acesa
controvérsia sobre a noção deste
tipo de manifestação de pobreza. A contagem apontou para apenas 696 pessoas
sem-abrigo em todo o território. Para especialistas na matéria, nomeadamente da
Rede Europeia Anti pobreza, este número é irrisório, não reflectindo a
realidade.
O INE escuda-se no facto de ter tido que
seguir o conceito internacional de sem-abrigo, assumindo que ficam de fora da
categoria sem-abrigo todos aqueles que, não tendo habitação, residem em prédios
abandonados ou casas-abrigo. Equivale isto a dizer que, à luz dos Censos 2011,
semabrigo são aqueles que, no momento censitário, se encontravam a viver na rua
ou noutro espaço público como jardins, estações de metro, paragens de
autocarro, pontes, viadutos ou arcadas de edifícios. Assim, significa também
que não foram contabilizadas as pessoas que, não tendo uma residência habitual,
se encontravam na altura a viver em hospitais, quartos de pensões pagas pela
Segurança Social ou centros de acolhimento.
A definição
adoptada pela Federação Europeia das
Organizações Nacionais que Trabalham com Pessoas Sem-Abrigo, da qual fazem
parte organizações como a AMI e a CAIS, inclui na categoria os que vivem na
rua, mas também os que vivem sem casa (em casas-abrigo para mulheres vítimas de
violência, por exemplo), em alojamentos temporários e mesmo os que vivem em
casas sem arrendamento legal. Embora mais restritivo, o conceito constante da
Estratégia Nacional para os Sem-Abrigo não deixa de incluir os que vivem em
abrigos de emergência, fábricas e moradias abandonadas.
Conclui-se, assim,
que os conceitos europeu e nacional
de sem-abrigo, vão muito além do universo composto por aqueles que moram na rua
propriamente dita. Em linha com essa definição mais lata, o INE contabilizou
2103 famílias que residem em barracas, mais 4315 famílias que, no momento em
que os inquéritos foram feitos, moravam em alojamentos improvisados e em locais
não destinados a habitação, como moinhos, armazéns e garagens.
O direito de cada
pessoa a um nível de vida condigno está consignado na Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948) (Artª 25, nº 1) onde se inclui entre outros, o
direito à habitação. Também a Constituição
Portuguesa (1976) preconiza o direito à habitação (artigo 65º, nº 1). Por
outro lado, a segunda parte da Carta Social Europeia
(1961), no artigo 31º, obriga os Estados a promover o acesso à habitação,
segundo um critério adequado, para evitar e reduzir o número de pessoas
sem-abrigo, com a perspectiva da sua erradicação gradual, e tornar o preço da
habitação acessível a pessoas com poucos recursos. Reconhecendo a complexidade
do fenómeno semabrigo onde, para além do direito à habitação há que garantir
todos os outros direitos, a Comissão Europeia refere que não é possível colocar
o enfoque apenas nas pessoas que vivem na rua, mas considerar o fenómeno das
pessoas semabrigo numa perspectiva mais abrangente. Na realidade, muitas destas
situações correspondem a um conjunto de problemas, como sejam a falta de
habitação, problemas familiares, sociais, económicos, de desemprego ou doença
mental, para além de que existe uma fronteira muito ténue entre os problemas
que são causa ou consequência desta forma extrema de exclusão social.
Por detrás da
decisão de se traçar uma Estratégia
Nacional para a Integração de Pessoas Sem-Abrigo decorre, em primeiro
lugar, da tomada de consciência da existência de um problema e da insuficiência
de conhecimento actualizado sobre o mesmo. Em segundo lugar, do reconhecimento
da deficiente resposta ao problema, resultante, em parte, da falta de
articulação entre as intervenções existentes. Por último, decorre também da
necessidade de consensualizar um tipo de resposta que potencie os recursos existentes,
públicos e privados, evitando a duplicação e sobreposição dos esforços e
possíveis efeitos perversos, nomeadamente de manutenção e persistência do
fenómeno. A Estratégia corresponde a um conjunto de orientações gerais e
compromissos das diferentes entidades, cuja operacionalização deve ser
implementada a nível local, no âmbito das redes sociais locais - Conselhos
Locais de Acção Social - com base em planos específicos e adequados às
necessidades locais identificadas.
A Estratégia
Nacional para as Pessoas SemAbrigo incide sobre três áreas específicas:
· Prevenção – Pretende-se minimizar as
probabilidades de desenvolvimento de processos de ruptura já identificados como
desencadeantes de trajectórias de sem-abrigo. Neste sentido, a Estratégia
identifica e define medidas que permitam sinalizar e identificar situações
decorrentes de despejo ou de desalojamento, bem como, no sentido de acautelar o
desenlace previsível desses processos, através da necessária definição de
circuitos devidamente acompanhados e em articulação com as entidades
relevantes.
· Intervenção - Conjunto de medidas que visam
permitir nomeadamente: (1) clarificar procedimentos e articular respostas (ex.:
equipas de intervenção directa; serviços de apoio social/serviços de saúde);
(2) desobstruir circuitos de intervenção existentes; (3) assegurar respostas
imediatas de emergência com garantia de continuidade através de procedimentos
sistemáticos de diagnóstico/triagem e encaminhamento; (4) desenvolver um modelo
de intervenção integrada centrada sobre as necessidades da pessoa, que permita
assegurar a continuidade do apoio, independentemente (e não em função) da
natureza específica das respostas institucionais existentes; (5) promover e
incentivar a experimentação de projectos inovadores (nomeadamente ao nível das
respostas de alojamento apoiado de primeira linha);
·Acompanhamento - Têm sido vários os problemas
identificados pelas instituições no terreno e que se prendem com dimensões como
a saúde, a inserção profissional, a ocupação vocacional, o alojamento, as redes
de suporte informal, a qualidade das respostas ou a necessária qualificação/
sensibilização dos profissionais. Do modelo de intervenção e acompanhamento,
que se enquadra no âmbito do programa da rede social, destaca-se a figura de um
gestor de caso, técnico de referência para a pessoa sem-abrigo, mediador e
facilitador dos processos de autonomização e articulação interinstitucional.
A elaboração desta
Estratégia implicou um processo de concertação e responsabilização partilhada
entre vários organismos públicos e privados, que integram o Grupo
Interinstitucional e que se reconheceu serem indispensáveis à reflexão conjunta
e à garantia de implementação da Estratégia, tendo por base a heterogeneidade
de problemas associados à condição de semabrigo. Assim, integram este Grupo,
para além da Segurança Social, sectores públicos como a Habitação, a Saúde
(ACS, IDT,DGS, ENSP), a Justiça, a Administração Interna, o Alto Comissariado para
a Imigração e Diálogo Intercultural, o Emprego, a Comissão para a Cidadania e
Igualdade de Género e a Associação Nacional de Municípios Portugueses, e
representantes do sector privado. A primeira medida deste Grupo
Interinstitucional consistiu em estabelecer um conceito de sem-abrigo único,
consensual e abrangente, a nível nacional: 49 SEM-ABRIGO Referencial Técnico
COMBATE À POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL Considera-se pessoa sem-abrigo, aquela que,
independentemente da sua nacionalidade, idade, sexo, condição sócio económica e
condição de saúde física e mental, se encontre:
· Sem teto, vivendo no espaço
público, alojada em abrigo de emergência ou com paradeiro em local precário ou;
· Sem casa, encontrando-se em
alojamento temporário destinado para o efeito.
RESPOSTAS
No âmbito da Acção Social, as respostas especificamente dirigidas a pessoas sem-abrigo, são as seguintes:
· Alojamento Temporário - Sempre que não seja possível o encaminhamento directo para uma resposta especializada após o diagnóstico, poderá ser necessário recorrer a uma resposta que privilegie, para além da satisfação das necessidades básicas, acompanhamento mais próximo, que permita a elaboração do plano individual de inserção, de duração variável e adequada à situação. Este alojamento poderá ser de 3 tipos: Centro de Emergência; Apartamentos Partilhados; Centros de Alojamento de média duração;
·Equipas de rua - equipas multidisciplinares, que estabelecem uma abordagem às pessoas sem-abrigo, visando a sinalização de situações, identificação de necessidades, resposta à necessidades básicas, motivação para a inserção e encaminhamento para diagnóstico e identificação.
No âmbito da
referida Estratégia Nacional para as Pessoas Sem-Abrigo, foi criada a figura do
Gestor de Caso, que faz parte de uma
das entidades parceiras representadas no Núcleo de Planeamento e Intervenção
Sem-Abrigo. De acordo com o diagnóstico efectuado pela equipa multidisciplinar
do centro de emergência ou das equipas de rua especializadas é definida, em
reunião de Núcleo, a distribuição dos casos pelas diferentes entidades e
respectivos gestores de caso. O gestor é o responsável pelo acompanhamento de
todo o processo, é o contacto próximo e privilegiado de cada pessoa sem-abrigo
e definirão com ele as etapas a planear no seu percurso de inserção,
identificando as acções prioritárias, em cada momento, que poderão contribuir
para esse percurso, promovendo a articulação com as instituições e entidades
que deverão ser envolvidas no mesmo. Estes técnicos, que deverão ter formação
na área das Ciências Sociais, devem acompanhar entre 15 a 20 situações no
máximo, e manter contacto regular com todas as situações que acompanham bem
como com as respostas mobilizadas para esse acompanhamento.
O Núcleo de
Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo é criado, sempre que a dimensão do
fenómeno sem-abrigo o justifique, no âmbito das redes sociais concelhias ou
plataformas supraconcelhias. É constituído por todas as Entidades com
intervenção na área que desejem estabelecer um trabalho articulado e integrado,
e às quais seja reconhecida competência para tal por todos os outros parceiros.
Este Núcleo tem como principais responsabilidades:
· Diagnóstico local sobre o fenómeno
semabrigo, como contributo para o diagnóstico da rede social e base de
planificação da sua actividade;
· Identificação e mobilização dos
recursos necessários à resolução do problema;
· Construção de um Plano de Acção,
para conjugação de esforços e rentabilização de recursos;
· Coordenar os encontros para
análise e atribuição de casos de acordo com os diagnósticos e necessidades
apresentadas;
·Monitorizar os processos (controlo
da execução dos planos de inserção, identificação e gestão de obstáculos);
· Contribuir para assegurar a
implementação e monitorização da Estratégia Nacional, centralizando toda a
informação a nível local.
BOAS PRÁTICAS
Revista CAIS - Ao longo de 22 anos
de actividade, a Revista CAIS tem-se revelado uma válida estratégia de
intervenção social para a capacitação e participação de pessoas em situação ou
risco de carência económica e social. A revista é distribuída por instituições
de cariz social em todo o país, que seleccionam, entre os seus utentes, os
vendedores da revista CAIS. A revista CAIS pretende ser uma resposta na
transição para a vida activa. Além de permitir o desenvolvimento de
competências pessoais e profissionais aos vendedores da Revista CAIS, o
Projecto permite também obter um rendimento mensal indispensável ao seu
processo de autonomia. A revista custa 2€, dos quais 70% reverte para o
vendedor, 15% para a instituição parceira que faz o acompanhamento social e
15%para a CAIS cobrir parte das despesas da revista. Cada vendedor tem um
número no colete e no cartão de identificação. Os vendedores possuem um código
de conduta. De entre os vendedores da Revista CAIS, 24% têm entre 40 e 49 anos
de idade, 23% têm entre 50 e 59 anos, 20% idade compreendida entre os 30 e os
39 anos. A maioria é do sexo masculino (88%) e de nacionalidade romena (50%).
30% dos vendedores são beneficiários de rendimento social de inserção, 20% têm
outra fonte de rendimento, 18% não tem qualquer outra fonte de rendimento além
da revista CAIS. Com uma tiragem média de 12.000 exemplares por edição, no ano
de 2015 a Revista CAIS vendeu um total de 124.564 exemplares. Ao longo das 11
edições em 2015, a venda da Revista CAIS gerou um total de 173.784,80 euros
para os 99 beneficiários do Projecto. No total, em 2015, a venda da Revista
CAIS gerou, para a Associação CAIS e seus parceiros um rendimento total de
75.344,50 euros. A Revista teve, no ano de 2015, um resultado operacional
positivo de 740 euros.
Centro
de Apoio Social dos Anjos – Unidade emblemática da Santa Casa da
Misericórdia de Lisboa que integra as seguintes respostas sociais: (1) Apoio
alimentar à população mais carenciada (refeitório social); (2) Atelier e Espaço
de Inclusão Digital, ambos estruturados em actividades ocupacionais e terapêuticas;
(3) Prestação de cuidados de saúde (psiquiátrica) e encaminhamento em
articulação com outras unidades de saúde; (4) Prestação de cuidados de higiene
(balneário, lavandaria e banco de roupa); (5) acolhimento residencial de
pessoas sem-abrigo em processo de acompanhamento social.
Equipas de rua - A Comunidade Vida e Paz
conta com cerca de 600 voluntários que todas as noites, rotativamente e
organizados em 54 equipas, percorrem Lisboa em 4 circuitos diferentes parando
em cerca de 100 pontos da cidade. Com esta intervenção pretende-se ir ao
encontro das pessoas sem-abrigo, de forma a criar uma relação de confiança, que
permita motivar as pessoas sem-abrigo a mudar de vida. Como meio de aproximação
às pessoas sem-abrigo, os voluntários distribuem uma ceia em embalagem
individualizada (duas sandes em carcaça do dia, um copo de leite ou iogurte,
bolo seco e peça de fruta).
Centro Porta Amiga
das Olaias – Inaugurado em 1994, é o mais antigo equipamento social da AMI.
Desde a sua abertura, já apoiou 16.537 pessoas. Proporciona vários apoios a
pessoas em situação de dificuldade, isolamento e/ou exclusão social. Em
concreto para os sem-abrigo, integra as seguintes respostas: (1) Refeitório e
distribuição de géneros alimentares; (2) Balneário, lavandaria e vestiário; (3)
Distribuição de produtos de higiene; (4) Apoio psicológico e encaminhamento
social; (4) Equipa de rua; (5) Actividades Sócio-Culturais.
WelcomeHOME Tours – Trata-se de percursos turísticos realizados pela cidade do Porto, conduzidos por antigos sem-abrigo da cidade. Os candidatos a guias têm que passar por uma triagem rigorosa - não podem ter problemas de dependência ou consumo e têm de demonstrar hábitos de higiene e motivação para trabalhar. Estes “condutores locais” partilham histórias e experiências pessoais aliada ao conhecimento profundo que têm da cidade.
INDICADORES
Em 2013, o número
de pessoas acompanhadas no âmbito da Estratégia Nacional para a Integração das
Pessoas em Situação de Sem-Abrigo, foi de 4.420. Pessoas que viviam em jardins,
estações de metro ou camionagem, paragens de autocarro, estacionamentos,
passeios, viadutos, pontes e outros abrigos. No entanto, este número não
espelha a totalidade do fenómeno, pois não contabiliza, nomeadamente, todos
aqueles que vivem em prédios devolutos. A realidade está longe de ser estática,
há sempre pessoas a sair e a entrar na condição de sem-abrigo.
Em 2014, a Santa
Casa da Misericórdia de Lisboa organizou uma contagem da população sem-abrigo
nas 24 freguesias de Lisboa. Foram sinalizados 440 sem-abrigo na rua e 376 em
centros de acolhimento, totalizando 816 pessoas.
O CENSOS 2011
apenas contou 696 pessoas semabrigo. Indicador que mereceu forte contestação de
especialista na matéria, nomeadamente dos responsáveis da Rede Europeia Anti
Pobreza, os quais conotaram aquela estatística como sendo irrisória, por se
basear num conceito de sem abrigo demasiado estrito e numa metodologia de
contagem de casos muito pouco rigorosa. O mesmo CENSOS 2011 aponta para que
haja 90.637 pessoas a viverem em estabelecimentos de apoio social.