4 ideias para o futuro do nosso setor

Autor: Duarte Fonseca

4 ideias para o futuro do nosso setor

Este texto que partilho é composto por “algumas” linhas e pensamentos que vou tendo, e, portanto, limitados e com toda a certeza enviesados pela minha própria experiência e contexto. Não pretende ser uma reflexão profunda dos vários tópicos que mencionarei, mas antes um levantar de perguntas e com sorte de possíveis caminhos.

Para mim o futuro do 3º setor, setor social, de impacto, como lhe quisermos chamar, depende em larga medida:

i) Do talento que (não) conseguimos atrair para o setor, e consequentemente das melhores condições salariais e de progressão na carreira;

ii) Da profissionalização e especialização da gestão, e consequentemente da adoção de tecnologia, sistemas de gestão profissionais, indicadores económicos, de gestão e de impacto, etc.

iii) Do capital de investimento disponível e consequentemente da mudança de foco dos financiadores e investidores nos projetos (“inovadores”) e mais nas organizações;

iv) Da sustentabilidade das organizações e consequentemente de modelos de negócio, unidades operacionais de negócio, de joint-ventures, de investimento em modelos com fins lucrativos, etc.

Cada um dos pontos acima mencionados pode desdobrar-se em dezenas de subtópicos, mas tentarei que isso não aconteça, para que a leitura do artigo não se torne um peso.

I) Talento

Para mim o mais importante dos tópicos anteriores. Sem talento ao nível das grandes empresas não seremos capazes de ser profissionais na nossa gestão, de atrair capital, e de criar modelos de sustentabilidade híbridos nas nossas organizações. Quando me refiro a talento, refiro-me a pessoas que no setor privado seriam provavelmente diretores ou administradores em grandes empresas, ou pelo menos com esse potencial. Aquelas pessoas que teriam o potencial de ganhar salários anuais com os quais no nosso setor nem imaginamos. Então, como atraímos esse talento para o setor? Será sequer possível? Acredito que sim. Claro que nunca seremos capazes de competir com salários anuais que podem rondar os 6 dígitos, e provavelmente nem o quereríamos, pois tornar-nos-ia incoerentes. Então estamos aqui a ajudar as pessoas mais vulneráveis e nós a enriquecer à “custa deles”? Não defendo isso, para que fique claro, mas também não defendo os salários baixos que se praticam e que nos tornam “competitivos” por comparação com o setor público. Colhemos aquilo que semeamos.

Assim, defendo que se deve ganhar bem no setor social, que se deve pagar bem, que se deve investir para atrair estes talentos. Contudo, estamos perante uma “pescadinha de rabo na boca”. Eu não tenho dinheiro para atrair determinadas pessoas, mas como não tenho determinadas pessoas também não tenho dinheiro... e pronto não saímos deste ciclo.

Na minha opinião para conseguirmos sair deste ciclo podemos adotar várias estratégias.

Primeiro, dar a possibilidade a estas pessoas de trabalharem menos horas semanais, dedicando assim o seu dia ou horas livres a outros trabalhos ou outras paixões. Estaremos imediatamente com este tipo de estratégia a aumentar o salário da pessoa sem custos diretos para a organização, para além da motivação inerente que vem de uma semana de trabalho mais curta e da possibilidade de se dedicarem a outras áreas da sua vida. Depois é preciso que sejamos estratégicos na escolha destes primeiros talentos pagos acima da média do setor. Provavelmente os primeiros têm que ser aqueles que vão ser capazes de criar mecanismos de sustentabilidade e de crescimento financeiro na organização.

Outra possível estratégia é os chamados planos flex. Grandes empresas adotam estes planos para uma otimização fiscal e assim poderem dar benefícios aos colaboradores e aumentarem a sua satisfação. Este tipo de planos permite que o colaborador anualmente decida, a partir de um montante dado pela empresa, se quer utilizar esse dinheiro em ginásios, creches, transportes, seguros de saúde, fundos de pensões, etc.

Por fim e talvez a estratégia mais difícil, criar possibilidades de crescimento na carreira deste talento. Contudo, para que isso aconteça as nossas organizações têm que crescer para que estas pessoas possam assumir cargos de maior responsabilidade e assim crescer dentro da organização. Concluo por isso que a ambição (a boa ambição) de crescimento da organização fará com que a atração de talento se possa tornar numa realidade ao mesmo tempo que vamos exponenciando o nosso impacto.

II) Profissionalização e Especialização da Gestão

Acredito muito em modelos de gestão flexíveis, onde todos têm liberdade e flexibilidade para fazerem o seu trabalho e atingirem os objetivos da organização. Contudo para que isso aconteça é necessário um tipo de modelo de gestão Sandwich.

Primeiro é necessário que os objetivos da organização e do ano sejam muito claros e transparentes para todos (idealmente até que todos tenham participado na sua definição no ano anterior). Estes objetivos devem ser públicos (internamente e externamente), devem estar registados e deve ser possível avaliá-los se estão a ser atingidos ou não de forma periódica.

Em segundo lugar o recheio da Sandwich. Porque não dar liberdade para que cada um dos colaboradores escolha os ingredientes. Ou seja, fugindo às metáforas, porque não dar flexibilidade para que cada pessoa decida, como e quando vai atingir esses objetivos definidos previamente? Isto implica que nós gestores ou órgãos diretivos não poderemos andar constantemente em cima do acontecimento, implica descentralização e implica confiança. Ou seja, o micromanagement tem que deixar de existir nas nossas organizações. Claro que, para que isto aconteça, precisamos de pessoas nas nossas equipas que sejam proactivas, que sejam interessadas por aprender e que gostem de avançar, independentemente do resultado final. Isso poderá ser uma alteração de paradigma interno nas organizações e, portanto, a transição de um modelo mais rígido de gestão para este implica tempo e formação às equipas. Para que isto funcione não basta termos pessoas capazes de decidirem e de fazerem como e quando quiserem, implica também que nós organizações temos que dar as ferramentas de trabalho certas para que o trabalho seja desenvolvido. Computadores, idealmente portáteis, e que não sejam da década passada. Conheço algumas organizações que pedem aos colaboradores para usarem o seu computador e ainda pagam ordenados que rondam os 750€ mensais. Mas saltando para um nível mais complexo, e partindo do princípio que todos têm computadores que nos permitem trabalhar num café mais de 2 horas sem ficar sem bateria, quantas organizações trabalham de forma integrada com diversas ferramentas e softwares tais como, emails, calendários e clouds com sistemas de ficheiros devidamente organizados com regras de segurança e de utilização, controlo de versões, etc. Quantas organizações utilizam ferramentas de comunicação interna tipo teams e slack (houve um aumento muito grande da utilização destas ferramentas devido à pandemia e por isso acredito que até já muitas comecem a usar)? Mas quantas têm estes sistemas de comunicação integradas com o email, calendário e os ficheiros? E quantas a juntar a este primeiro layer de ferramentas têm, sistemas de CRM ou de Gestão de Casos, que agregam dados e permitem que a gestão vá tomando decisões baseadas em forecasts e em resultados e dados em real-time em dashboards disponíveis para serem consultados a todo o momento? Ou seja, para que o colaborador possa escolher o recheio precisa de ter as ferramentas que lhe tragam a liberdade e a possibilidade de atingir os objetivos previamente definidos.

Por fim, e para terminarmos a nossa sandwich, temos a parte de accountability. Se existem objetivos definidos, a pessoa sabe o que é para fazer e tem as ferramentas certas, então é preciso avaliar e perceber o que se atingiu e o que não se atingiu, e mais importante as causas.

Resumindo, sermos decididos e assertivos na definição de objetivos e na avaliação dos mesmos, mas o caminho para os atingir deixamos ao critério de cada um.

III) Capital de Investimento

Não falarei aqui dos acordos com a segurança social, por um lado porque não tenho grande conhecimento dos mesmos e por outro porque acredito que o futuro passará por outros modelos de atração de capital.

Uma das grandes dificuldades do nosso setor é a escassez de financiamento às organizações por oposição ao financiamento por projeto. Ou seja, temos que constantemente estar a (re)desenhar os projetos para nos habilitarmos a determinado prémio ou financiamento. A juntar a esta dificuldade cada vez mais financiadores não pagam RH, como se por magia as atividades propostas nos projetos fossem ser executadas sozinhas. Uma outra dificuldade é que muito do capital que existe está a migrar para uma área mais tecnológica e escalável. Ou seja, se os nossos projetos ou organizações não são altamente escaláveis “à lá Startups” então não somos elegíveis. Mas a verdade é que estamos a falar de pessoas e de serviços, logo claro que nunca será escalável, a não ser que comecemos a entregar a comida aos sem abrigo com drones ou robots. Contudo, como nós bem sabemos até poderíamos resolver a fome, mas não resolveríamos com os drones o problema das pessoas em situação de sem abrigo, porque isso passa pelas relações estabelecidas e pelos projetos de vida.

Então, como atrair capital para a nossa organização?

Em primeiro lugar dizer que temos que em conjunto tentar “reeducar” os financiadores, por um lado na questão de só financiarem projetos, por outro o não quererem pagar RH. Para começar acredito que que quando pagam RH devemos tentar aumentar os salários da nossa organização em vez de mantermos salários baixos porque fica “mal na fotografia” perante o financiador ter um peso grande de RH. Ou seja, passa também por nós alterar os focos e as estratégias dos financiadores.

Em segundo lugar este ponto está para mim ligado ao seguinte. Porque não utilizar este capital que procura projetos “inovadores” para testar novos modelos de intervenção das nossas organizações que tenham modelos de negócio associados e que nos permitam gerar rendimentos para a organização? Em vez de darmos apenas novos nomes e roupagem ao que já fazermos para nos candidatarmos vezes sem conta aos mesmo financiadores, porque não lançar realmente uma nova área na organização de investimentos e de negócios sociais?

IV) Sustentabilidade das Organizações

Penso que todos deveríamos ter na nossa organização modelos alternativos que promovam receitas alternativas para além dos habituais financiamentos, prémios, acordos com a segurança social, donativos e quotas. Quantas das nossas organizações têm uma área (pelo menos uma pessoa com 100% do tempo alocada a esta área) dedicada exclusivamente a modelos de negócio e unidades de negócio?

Quando falo em negócios sociais, e não tirando mérito ao que muitas organizações fazem, não estou a falar da loja social que revende artigos doados, falo em produtos e serviços de qualidade que competem no mercado normal pela qualidade com as empresas que oferecem serviços e produtos similares. Para que isto aconteça mais uma vez é preciso que todos os pontos anteriores estejam alinhados ou a caminho de estarem alinhados. Precisamos de talento com experiência corporate, precisamos de modelos e ferramentas de gestão altamente profissionais e precisamos de capital de investimento para criar estas unidades de negócio. Dou alguns exemplos de negócios sociais que admiro pelo caminho que têm feito e pelo lado profissional que apresentam, seja na comunicação, nas vendas, no customer care, no crescimento, no posicionamento da marca no mercado, nas parcerias que vão desenvolvendo, etc.:

Semear – https://semear.pt/

Just a Change – https://www.justachange.pt/

Reshape Ceramics – https://www.reshapeceramics.com/ (sou suspeito neste caso)

55+ - https://55mais.pt/

Spot Games - https://spotgames.org/

Menos Hub - https://menoshub.com/

Manicómio – https://manicomio.pt/

Gelados Fratellini – https://www.fratellini.pt/

Coopérnico - https://www.coopernico.org/

MyPolis - https://beta.mypolis.eu/login

Estou certo que existem muitos mais exemplos para dar e que eu desconheço, mas também estou plenamente convicto que ainda existe muito por desenvolver por parte das nossas organizações.

Termino, reforçando a minha mensagem inicial. Estas reflexões, pensamentos e ideias são apenas possíveis caminhos, e estou certo que, o caminho não será linear nem igual para todas as organizações, mas estou plenamente convencido que temos todos juntos que fazer este caminho para elevar o nosso setor, na qualidade e na competitividade.

Por Duarte Fonseca, fundador presidente da APAC Portugal

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