RESILIÊNCIA

Autor: António Champalimaud

RESILIÊNCIA

Enquanto escrevo este texto, o mundo está a viver uma das maiores crises sanitárias de que há memória. A pandemia veio mudar os nossos hábitos sociais, a nossa liberdade e acesso aos direitos mais básicos. Tudo o que tomávamos como garantido, deixou de o ser. Inevitavelmente, esta situação faz-me pensar nas pessoas que já antes da pandemia e do estado de emergência, muito pouco tinham como garantido. Lembro-me da pirâmide de Maslow, onde são hierarquizadas as principais necessidades do ser humano: sejam elas relacionadas com a segurança individual, necessidades sociais, necessidades de auto-estima e de realização pessoal, outras psicológicas e até mesmo fisiológicas. É interessante observar como esta hierarquia pode mudar muito rapidamente, se houver uma alteração ao contexto em que nos inserimos.

A nova realidade trazida pela pandemia, veio a demonstrar como alguns skills podem de repente ter que estar tão presentes na nossa vida. A pandemia obrigou-nos a activar ferramentas e capacidades que temos dentro de nós. Em alguns casos, ferramentas e capacidades que já existiam, noutros casos, tiveram que ser relembradas ou mesmo aprendidas. Todas elas podem e devem ser incutidas, ensinadas, a qualquer ser humano desde criança. Podem ser treinadas. São algumas dessas capacidades e ferramentas que nos permitem andar para a frente mesmo quando tudo parece estar perdido. Por essa razão, é tão importante adquiri-las individualmente desde cedo e conseguirmos colocá-las em prática quando necessário. Sem dúvida, a resiliência é a primeira que me vem à cabeça.

A Missão da Academia dos Champs, baseia-se na transmissão e ensino aos seus alunos de capacidades e skills, através da prática desportiva regular. Acreditamos que a sua aprendizagem pode vir a ser muito importante para a formação destas crianças e jovens, enquanto homens, mulheres e um dia mais tarde, profissionais. Com a aquisição destas capacidades, estamos convencidos de que os nossos alunos poderão eles próprios criar as suas oportunidades pessoais e profissionais, com mais autonomia e segurança, Passando então a serem agentes activos na construção do seu futuro.

os nossos alunos poderão eles próprios criar as suas oportunidades pessoais e profissionais, com mais autonomia e segurança

O cumprimento e sucesso desta difícil missão, não é possível sem a garantia de apoios financeiros e parcerias pro-bono, com entidades públicas e privadas, que no contexto actual se tornaram evidentemente mais difíceis de conseguir. Apesar de estarmos alicerçados numa estrutura de parceiros de uma enorme qualidade e generosidade, não seria realista dizer que temos uma tarefa fácil pela frente nos próximos meses. Não apenas pela situação económica do País, que afecta milhares de famílias e empresas, mas também pelas novas regras trazidas pelo novo estado de emergência. Estas regras impõem distanciamento social e encerramento de algumas actividades extra curriculares, que inevitavelmente comprometem o normal funcionamento das actividades da Academia dos Champs.

No caso das dificuldades das famílias, será mais uma razão para reforçar a nossa intervenção no terreno. No caso dos mecenas, das empresas e entidades públicas, com os quais contactamos diariamente, torna-se agora ainda mais importante estarmos internamente bem estruturados para lhes mostrar que continuamos a acrescentar valor e mantemos a capacidade para implementar a nossa missão. Independentemente da pandemia e dos sucessivos estados de emergência.

mostrar que continuamos a acrescentar valor e mantemos a capacidade para implementar a nossa missão

É neste contexto actual, que gostaria de referir alguns aspectos fundamentais relacionados com a cultura interna de uma IPSS. São aspectos que pela fase que estamos a viver, revestem ainda uma maior importância. Para enquadrar, aquilo que observo no caso específico de Portugal, é que estamos ainda bastante atrasados, especialmente em relação aos países anglo-saxónicos, no que respeita à existência de uma cultura empresarial e governamental orientada para a economia social. É inevitável não haver diferenças entre uma IPSS portuguesa, inserida num país com recursos financeiros bastante limitados e por exemplo, uma “non profit” americana, inserida num contexto onde está enraizada uma forte cultura empresarial de “give back to society”. É verdade que esta cultura é fortemente motivada, em parte, pela existência de elevados benefícios fiscais, mas não exclusivamente. No caso de Portugal, diga-se, esses benefícios são quase materialmente irrelevantes para os mecenas.

No caso de Portugal, diga-se, esses benefícios são quase materialmente irrelevantes para os mecenas.

Nos países, onde as empresas geram lucros elevados devido à grande dimensão dos mercados onde atuam, a maioria das instituições adoptou há muito um modelo de gestão no qual é dada uma importância relevante à economia social. É muito comum estas empresas terem nos seus quadros, profissionais exclusivamente dedicados a tempo inteiro, seja ao acompanhamento das causas apoiadas pela instituição, seja à procura de novas causas para apoiarem. Não quer isto dizer que em Portugal não aconteça, mas acontece em muito menor escala. É certo que em parte é devido à menor dimensão da economia, mas independentemente deste factor, há ainda com certeza um longo caminho a percorrer no que respeita a uma cultura empresarial que se preocupa com causas sociais.

há ainda com certeza um longo caminho a percorrer no que respeita a uma cultura empresarial que se preocupa com causas sociais.

Para além da envolvente externa, altamente desafiante e agora agravada pela pandemia, há outros dois aspectos não menos importantes, sobre os quais gostaria de elaborar de uma forma muito resumida. Ambos também relacionados com a cultura interna das IPSS:

1) A necessidade de uma comunicação e relação bem estruturadas com mecenas

2) A necessidade de uma maior profissionalização das IPSS portuguesas.

Como foi dito atrás, conseguir anualmente financiamento para garantir a sustentabilidade de projectos como a Academia dos Champs é agora mais que nunca um grande desafio. A grande maioria das IPSS nacionais tem o mesmo problema. Muitas delas apoiam-se numa estrutura de financiamento altamente concentrada num pequeno grupo de mecenas, que em alguns casos não têm grande envolvimento no dia-a-dia da organização que apoiam ou nas suas actividades. Conseguir um grupo de parceiros “silenciosos” que financiam os custos da actividade é, sem dúvida, uma grande ajuda, mas não será o suficiente para garantir o sucesso no cumprimento da missão. Quando os mecenas são indivíduos ou instituições, líderes e “opinion makers” no sector onde actuam, a sua intervenção no dia-a-dia da IPSS torna-se ainda mais importante. Não só o seu “network” pode ajudar a dar mais visibilidade ao projecto, facilitando assim o trabalho da equipa de “fundraising”, como também a sua experiência, parceiros e colaboradores, podem ajudar a alavancar a profissionalização da própria IPSS.

Da mesma forma, quanto mais profissional for o modelo de gestão da IPSS, suportado numa estrutura e regras semelhantes às de uma empresa com actividade comercial, maior facilidade vai ter na captação de apoios junto de entidades privadas e públicas. É necessário e desejável que cada vez um maior número de líderes implementem nas suas empresas, uma cultura assumida de responsabilidade social. Tanto ao nível da estratégia de marketing, ou que aloquem por exemplo, uma percentagem do seu orçamento à economia social, mas também que criem mais programas de integração profissional. Esta transformação só vai acontecer de uma forma mais formal e sustentada, se o Estado se preocupar em criar incentivos suficientemente atractivos para que as empresas comecem a alocar consistentemente uma parte minimamente relevante dos seus recursos, humanos e financeiros, ao terceiro sector.

Além desta temática, é também na minha opinião, parte da missão de uma IPSS, instigar ela própria uma cultura social nas instituições privadas ou públicas, junto das quais procura captar apoios. Como? Procurando por exemplo, conhecer melhor a sua realidade e políticas de comunicação, ajustando o modelo de reporte das actividades da própria IPSS às necessidades de cada potencial mecenas e parceiro. Não devemos pensar que os recursos de uma organização sem fins lucrativos devem ser geridos de forma diferente aos de uma empresa normal, onde os gestores são premiados pelos lucros. A grande diferença entre as duas, é que não se deve avaliar a “performance” de uma IPSS utilizando métricas semelhantes às que se utilizam numa empresa normal. Enquanto numa empresa normal, os resultados financeiros são uma medida do seu desempenho, numa IPSS o que importa é o sucesso com que cumpriu a sua missão e se causou um impacto positivo e duradouro nos seus beneficiários.

Não devemos pensar que os recursos de uma organização sem fins lucrativos devem ser geridos de forma diferente aos de uma empresa normal

Na Academia dos Champs, preocupamo-nos diariamente com temas como a estratégia, o planeamento e a disciplina. Disciplina da equipa, disciplina da governança, disciplina da alocação e da gestão eficiente de recursos, disciplina na implementação de decisões. Damos especial importância ao reporte interno, pois ele vai contribuir para um melhor reporte externo. Quando nos sentamos à frente de um potencial mecenas, devemos conseguir reunir evidências, quantitativas e qualitativas, de que estamos a ter sucesso no cumprimento dos nossos objectivos. Há que transmitir confiança, mostrar que existe um processo, uma liderança. Existe liderança quando as pessoas seguem uma causa ou alguém, mesmo tendo a liberdade de não o fazer. O que só é possível por sua vez, quando o líder está fortemente motivado e consegue contagiar e motivar quem com ele contacta, seja um colaborador, seja um mecenas.

reunir evidências, quantitativas e qualitativas, de que estamos a ter sucesso no cumprimento dos nossos objectivos

A combinação entre resultados tangíveis e emoção, vai fazer com que quem está do outro lado acredite, não apenas na causa, mas também na capacidade da IPSS implementar a sua Missão. Facilmente identifica que existe uma equipa disciplinada, uma linha de pensamento organizada e que as acções são planeadas. Mesmo não tendo fins lucrativos, organizações como a Academia dos Champs e tantas outras, devem ser estruturadas como qualquer outra grande organização, sendo da sua responsabilidade ser transparente, produzir informação de qualidade e oportuna. Informação e reporte que convença e motive parceiros ou mecenas, existentes ou potenciais, para as ajudarem no cumprimento da sua Missão.

Por António Champalimaud, Fundador e Presidente da Direcção da Academia dos Champs

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