A sustentabilidade das IPSS – Um constante desafio

Autor: Maria Teresa Godinho

A sustentabilidade das IPSS – Um constante desafio

Este texto tem como principal objetivo partilhar algumas preocupações relativas ao futuro das Instituições de Solidariedade Social, abreviadamente designadas como IPSS. O meu percurso nestas Organizações é curto e tem-se constituído como um fator de aprendizagem muito importante. Apesar da curta experiência na área, é inegável a perceção da vasta diversidade na tipologia das organizações, a diversidade nas mesmas tipologias assim como o modo diverso como cada organização estrutura a sua oferta de serviços. Esta diversidade deve-se essencialmente às características e especificidades das comunidades onde as organizações estão inseridas. Recorde-se que uma boa parte das Organizações do Terceiro Setor surgiu de iniciativas comunitárias fundamentadas na existência de comunidades com conexões sociais baseadas na confiança e na cooperação, o que facilitou a coordenação entre agentes, o que, em determinada época, foi responsável pela vitalidade do movimento associativo.

Recorde-se que uma boa parte das Organizações do Terceiro Setor surgiu de iniciativas comunitárias

Também se percebe que o movimento de criação e proliferação deste tipo de organizações no pós 25 de Abril e mesmo nos anos 90 do século XX, não é o mesmo que atualmente, porque a sociedade também já não é a mesma e os contextos de vida e os problemas societais também já são outros. No entanto, pode dizer-se que os bens e serviços que são prestados pelos membros das organizações continuam a dirigir-se a uma camada especial da população, considerada em situação de desvantagem, sejam crianças, idosos, desempregados, pessoas com deficiências, imigrantes, toxicodependentes, grupos de baixo rendimento económico e outros em situação de risco social. Este espaço de prestação de bens e serviços continua a pertencer a estas organizações e não foi ocupado por outras, tornando-se as mesmas indispensáveis para as pessoas que delas precisam.

O grande desafio que se coloca às IPSS prende-se com o facto de dependerem, em grande parte, de Acordos de Cooperação que foram estabelecidos com o Estado há tempos, cuja força de negociação/atualização tem vindo a perder força ao longo dos anos, estando cada vez mais o total das despesas assumidas, longe da capacidade das receitas geradas. O aumento negativo desta variação pode vir a colocar em causa a sustentabilidade destas Organizações. Esta questão é fundamental para um grande número de IPSS.

Acordos de Cooperação que foram estabelecidos com o Estado há tempos, cuja força de negociação/atualização tem vindo a perder força ao longo dos anos

Mas o seu papel vantajoso na sociedade é inegável. Podem sumariar-se algumas vantagens destas organizações:

• A sua ligação ao território no sentido mais amplo e a proximidade às pessoas com o conhecimento específico dos seus problemas com a consequente aplicação da solução mais adequada;

• Maior flexibilidade que os organismos públicos;

• Produção de bens e serviços a custos mais baixos;

• Possibilidade dos indivíduos e das famílias pagarem a prestação de serviços de acordo com o seu rendimento.

No entanto, estes custos mais baixos devem-se essencialmente à existência de trabalho voluntário, a donativos da sociedade civil e ao pagamento de vencimentos mais baixos (relativamente aos serviços públicos) aos seus trabalhadores.

estes custos mais baixos devem-se essencialmente à existência de trabalho voluntário, a donativos da sociedade civil e ao pagamento de vencimentos mais baixos

Apresentam capacidade de inovação que pode ser explicada em primeiro lugar, pelo facto destas organizações serem, fundamentalmente, de produção de trabalho em função das necessidades detetadas, tornando-as mais flexíveis e aptas para a mudança. Em segundo lugar, a sua estrutura participativa, permite que os associados, os consumidores e/ou trabalhadores intervenham no processo de tomada de decisão, existindo um maior envolvimento com a missão da organização. Ligado a este aspeto, surge um último elemento relacionado com o suposto conhecimento e experiência dos dirigentes, sejam eles consumidores, stakeholders ou demais gestores vocacionados para identificar, devido ao seu próprio envolvimento na organização, novas formas de intervenção.

No entanto, também sobre esta questão poderão surgir riscos, caso a estratégia de sobrevivência económica obrigue a organização a voltar-se para a maximização das receitas e menos para o atendimento à população mais carenciada, o que poderá limitar a capacidade para inovar no mercado de bens e serviços.

estratégia de sobrevivência económica obrigue a organização a voltar-se para a maximização das receitas e menos para o atendimento à população mais carenciada

Nem sempre os dirigentes (muitas vezes voluntários) têm como foco as questões formais inerentes a uma gestão cada vez mais exigente e com uma crescente obrigatoriedade de transparência e de prestação de contas, acomodadas num conjunto de regras formais de funcionamento que garantam o financiamento parcelar por parte do Estado, associadas à crescente ação fiscalizadora e de controlo por parte do mesmo. Sou a primeira a defender que a aplicação de dinheiros públicos tem que ser transparente e quem os usa tem que claramente prestar contas. Portanto, não pretendo que as minhas palavras provoquem equívocos. No entanto, é preciso haver bom senso para que a aplicação de regras formais não provoque o estrangulamento na flexibilidade das organizações, caraterística distintiva que lhes permite a adaptação constante às novas necessidades e a resposta rápida a novos problemas.

a aplicação de dinheiros públicos tem que ser transparente e quem os usa tem que claramente prestar contas

Assim, parece que as IPSS se encontram num momento de grandes desafios, associados à maior exigência da parte da sua gestão, numa época em que parece que o movimento associativo na área social não está no seu momento mais afirmativo nem o Estado parece motivado para acrescer o financiamento das IPSS, pelo menos repondo o financiamento correspondente ao ano de 2016 (antes dos aumentos sucessivos do salário mínimo nacional). Assim, como encontrar o equilíbrio entre a necessária afirmação do movimento associativo, o necessário acréscimo de verbas nos Acordos de Cooperação (no mínimo que façam a cobertura dos aumentos salariais dos colaboradores, advenientes do aumento do salário mínimo nacional dos últimos anos), a capacidade de inovação e adaptação aos novos problemas da sociedade (agravados em época de pandemia), a necessária transparência na aplicação dos dinheiros públicos por parte das organizações (sem exagero nas regas formais de funcionamento) e a necessária flexibilidade para respostas rápidas e diversas para problemas complexos?

É a procura deste equilíbrio que fazemos diariamente, mas é um caminho que não se faz sozinho, pois juntos seremos mais assertivos e mais fortes.

Por Maria Teresa Godinho, Presidente da Direção da Associação de Paralisia Cerebral de Évora

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