O Voluntariado e a Pandemia (do Medo)!

Autor: Sónia Fernandes

O Voluntariado e a Pandemia (do Medo)!

Este é um texto de opinião. Partilho o meu ponto de vista sobre a parca integração de voluntários nestes tempos tão conturbados de Pandemia. Não pretendo ser consensual. Apenas honesta ao expressar o que acredito e defendo. Porque há 12 anos atrás fundei uma ONG cujo propósito era marcar a diferença na preparação dos voluntários. Porque acreditamos que se os mil milhões de voluntários tivessem a preparação adequada, o Mundo seria um lugar muito mais equitativo! Porque voluntários preparados e acompanhados podem efetivamente reduzir os problemas que assolam o Planeta.

Março de 2020

Em março, sem pré-aviso, vimo-nos encarcerados em casa. Participamos num inédito movimento planetário de controlo do novo Vírus. Em pleno século XXI e na reclusão do nosso lar, assistimos à “invasão” de uma nova praga. Estávamos atónitos, perplexos, sem perceber o que estava a acontecer, nem o que traria o futuro.

Certamente como vocês, eu observava pela minha janela, dia-após-dia, semana-após-semana, mês-após-mês,… sem compreender… E como gosto de compreender para poder agir… E cá, dentro de casa, o mundo era-nos (e ainda é) apresentado – pela televisão, pelas redes sociais e pelos média – como um autêntico Apocalipse! A Primavera tomou o seu curso e, sem que nos dessemos conta, já era Verão…

Como não enlouquecemos?

….com os arautos da desgraça,

com a “prisão domiciliária”,

com o teletrabalho,

com a telescola,

com a proteção à distância dos mais vulneráveis ao vírus na nossa família,

com a morte de entes queridos sem que pudéssemos despedirmo-nos ou até mesmo reconhecer o seu corpo, acreditando que quem lá estava dentro era mesmo ele(a)?

Parte da solução

Em 2020, com a Pandemia, as pessoas voluntárias quiseram fazer parte da solução de um problema sem precedentes. Ser voluntário é isso! Por essa razão houve um aumento muito significativo do número de voluntários inscritos nas organizações da economia social e nos Bancos de Voluntariado. Paradoxalmente, na esmagadora maioria dos casos, as atividades de voluntariado foram canceladas.

Eu compreendo que, dadas as circunstâncias, “congelássemos” e tivéssemos dificuldade em reagir, em recorrer ao Voluntariado como um instrumento adicional de resposta a esta crise (como o próprio Estado previu nos decretos que ia fazendo sair, por exemplo nas exceções sobre quem podia estar na rua na fase de Confinamento). Compreendo, mas com reticências, claro. Uma das razões é que tal comportamento não faz jus à fama e orgulho nacional sobre a nossa capacidade de improvisar, de fazer as coisas em “cima do joelho”. Se somos para as outras coisas, porque não somos no Voluntariado em situação de Emergência? Também, por isso, não compreendo que não tivéssemos preparado o caminho para as previstas futuras vagas da COVID-19. Bem sei que não somos famosos pela nossa capacidade de planeamento. E aqui, poderíamos ter invertido o fado de improvisar (que não se cumpriu) para o inesperado de planear, preparar.

Efeitos colaterais

E agora pergunto: com a Pandemia quantos passaram a estar mais pobres, mais doentes (a todos os níveis: mental, física e socialmente), mais vulneráveis? Ainda que custe, tenho de colocar mais fundo o “dedo na ferida”: quantas pessoas morreram/morrerão porque a prioridade máxima é o Vírus? E quais são as consequências de secundarizar todos os restantes problemas?

Não se pode alegar falta de meios quando foi descartado em larga escala um recurso poderosíssimo como é o Voluntariado. Façam-se planos de contingência, incluam-se os voluntários na solução deste problema sem precedentes. As tarefas que podem cumprir são inúmeras, desde a integração de pessoas altamente especializadas, a funções mais indiferenciadas.

Equívoco

E basta de atirar “areia aos olhos” da opinião pública com o argumento de não se dever realizar Voluntariado pelos maus exemplos de encapotada substituição de mão-de-obra. Sei que há esses maus exemplos. Como em todas as áreas há prevaricadores. Porém, nas décadas de trabalho nesta área foram poucas as situações que encontrei. São residuais (e claro, devem deixar de acontecer e ser sancionadas). Dos 30 anos de trabalho no terreno, o que se constata é que as organizações portuguesas demonstram relutância em acolher voluntários. Por exemplo, um dos maiores problemas na gestão dos Bancos de Voluntariado é a dificuldade de enquadrarem quem se inscreve, i.e., há mais voluntários inscritos do que oportunidades de voluntariado. Um paradoxo num país em que apenas 7,8% das pessoas exerce o voluntariado. Ao que parece, se as organizações fossem mais recetivas a taxa de voluntariado seria superior.

Aplauso

Considero e aplaudo as organizações (empresas, organizações da economia social, entidades governamentais, entidades educativas) que conseguiram organizar-se e “ir contra a corrente” ao dinamizar atividades/projetos/programas de voluntariado nestes tempos de Pandemia. Lanço-vos o desafio de darem a conhecer ao país e ao mundo os resultados do vosso esforço: de que forma estão a contribuir para a solução. Contem-nos os vossos sucessos, os fracassos também (para que aprendamos convosco). Demonstrem o que é possível e que se mais organizações fizerem o mesmo, mais pessoas serão apoiadas e as desigualdades serão menores. Quem sabe, com o vosso exemplo, outros se animam a agir.

A coragem

Não é que as organizações que “ousam” colocar voluntários em ação não tenham medo. Medo é o sinal da consciência dos potenciais perigos. Coragem é a capacidade de, perante esses cenários, encontrar formas de eliminar ou contornar os obstáculos. Quem não tem medo, não tem consciência do perigo, por isso quando age é tolo. Quem tem medo e age (com um plano) é corajoso. Quem quiser agir com voluntários e tem consciência da necessidade de planeamento, a Pista Mágica está disponível para enviar materiais de capacitação, de modo a poderem fazer o vosso Plano de Contingência no Voluntariado. Para o efeito podem enviar email para info@pista-magica.pt.

PS: Partilho também que perante tão escassa utilização dos voluntários na luta à COVID-19, a nossa organização mudou a sua Missão e passou a também estar no terreno com a gestão de voluntariado, para além de capacitar os agentes de voluntariado.

Por Sónia Fernandes, presidente e fundadora da Pista Mágica

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