APOIO À VIDA: 22 anos de história e muito caminho pela frente

Autor: Manuel de Faria Blanc

APOIO À VIDA: 22 anos de história e muito caminho pela frente

A legalização do aborto em Portugal e, consequentemente, o poder de decisão das mulheres sobre a vida da criança que transportam dentro de si, ainda que relativamente recente, leva já muitos anos de história.

Depois da legalização, em 1984, e apenas em casos extremos, da (indevidamente chamada) IVG, realizou-se, em 1998, um referendo pela sua total legalização até às 10 semanas. A ocasião juntou pessoas de todos os quadrantes da sociedade e deu origem à formação de muitos grupos que diziam não à proposta legalização. Houve debates, reflexões, famílias que passaram a jantar mais tarde porque, depois de um dia de trabalho, os pais tinham de escrever artigos ou participar em debates, grupos de amigos que passaram tardes inteiras a dobrar folhetos e uma fortíssima união entre todos, coroada por uma campanha de oração que encheu casas, igrejas e capelas em todo o país. De acordo com a vontade expressa da maioria dos portugueses naquele referendo, a lei não foi aprovada e o resultado foi festejado com palmas, mas também em silêncio. Acabou? Não, não tinha acabado. Era agora claro que se praticavam muitos abortos em Portugal e que havia muitas mulheres que optavam pelo aborto sem, na verdade, o desejarem. Era preciso criar uma resposta para estas pessoas. Assim surgiram, na altura, diversas organizações com uma Visão comum: que nenhuma mulher fosse levada a abortar por não ter quem a apoiasse. Uma delas é o Apoio à Vida, uma IPSS legalmente constituída em janeiro de 1999 e que, até à data, já acompanhou mais de 4.400 mulheres grávidas.

Em 2007, como é sabido, um novo referendo deu o resultado inverso: o aborto passou a ser possível, até às 10 semanas, por opção da mulher.

Uma pressão constante

«O mais difícil foi que, em duas semanas, a palavra que eu mais ouvi, foi: “aborta”. E o mais cruel foi dizerem-me: “aborta, porque é legal”». Este é o testemunho de uma das muitas mulheres que acompanhámos e que, perante uma situação de gravidez não planeada, sofrem uma pressão constante no sentido de abortarem, seja por circunstâncias da sua própria vida, seja por influências externas. De onde vem esta pressão, ou quem a faz, pouco importa. O relevante é que raramente alguém lhe pergunta: “Pensando só por si, o que é que o seu coração mais deseja?” ou “Que decisão a deixaria mais em paz consigo própria?”

Após 22 anos a acompanhar grávidas em dificuldade ou com dúvidas em relação à sua gravidez, podemos convictamente afirmar que estas são as perguntas a fazer. Mais: estas são as interrogações de quem, realmente, respeita a Mulher e acredita que é ela que, melhor que ninguém, sabe decidir o que é melhor para a sua vida. Sempre? Sim, desde que o possa fazer livremente.

Sem liberdade, não há objectividade

Seja por medo de perder o suporte afectivo, seja por razões de natureza financeira, de precariedade de emprego, de carreira em ascensão ou de ordem familiar, entre outros factores, uma mulher, ao defrontar-se com uma gravidez inesperada, pode sentir que tudo se assemelha a uma ameaça. Por isso, quando uma grávida “em crise” nos procura, o seu fortalecimento interior, a sua capacidade de olhar para a própria situação com objectividade e a recuperação da autoconfiança são os caminhos a seguir e os aspectos a trabalhar. “Não está sozinha! Como posso ajudá-la?”, são a afirmação a enfatizar e a interrogação que importa colocar.

Por telefone, email ou presencialmente, cada mulher é acompanhada no seu discernimento enquanto o pretender, sempre pelo mesmo elemento da nossa equipa técnica, composta por psicólogas e assistentes sociais. No seu ventre, está um filho, nenhuma grávida o ignora. Poderá pensar que não o pode deixar nascer e que, por isso, terá de ir contra o seu desejo profundo de ser mãe daquele bebé. Ou não: pode ter disponibilidade para falar e ouvir; pode aceitar a ajuda que lhe oferecemos e ficar a saber que existem apoios, que não está sozinha, que, antes dela, muitas mulheres — e homens, não o podemos esquecer — conseguiram ultrapassar o susto inicial e todos os obstáculos que, afinal, nem eram intransponíveis nem as impediram de construir o seu projecto de vida. “O que me realiza mais como mulher, como pessoa?” é a pergunta que fazem então a si próprias e à qual, na maior parte dos casos, respondem com um sim ao bebé. Por terem conseguido pensar livremente, sem pressões ou constrangimentos, e por acreditarem nelas próprias.

No Apoio à Vida, defendemos a Mulher, respeitando-a, ouvindo-a, procurando ajudá-la a ser livre para seguir a sua vontade e nunca fazendo julgamentos. Apoiamo-la para que não se sinta sozinha e, evitando qualquer carácter assistencialista, colocamo-nos à sua disposição, conforme a vontade de cada uma e até à fase de autonomia.

Até hoje, nenhuma das mulheres que acompanhámos se mostrou arrependida. Muitas viram o pai do bebé aceitar a gravidez, constituíram família e até já têm outros filhos. Outras seguiram as suas vidas sozinhas, mas não deixam de afirmar que ter aquele filho foi a melhor decisão que tomaram. Entre as que optaram por não prosseguir com a gravidez, a maioria deixou de ter contacto com o Apoio à Vida e algumas houve que, posteriormente, pediram ajuda para conseguir enfrentar a dor do aborto. Também há aquelas que, depois de terem dito que sim ao seu bebé, sofreram um aborto espontâneo. É causa de muita dor, mas já houve quem nos dissesse “Sinto-me em paz porque não fui eu...”.

Para todas, o Apoio à Vida existe e pretende continuar a “estar aqui”, com uma equipa técnica de 4 psicólogas e 3 assistentes sociais, uma linha telefónica disponível 24 horas/dia (todos os dias do ano), dois Centros de Atendimento (Alcântara e Alverca), uma Casa de Acolhimento Temporário (a Casa de Santa Isabel), um departamento de inserção profissional extensível a todo o agregado familiar da mulher grávida, uma Escola de Formação (a Escola de Talentos) e, por enquanto, 22 anos de experiência. Um longo caminho já foi feito. Mas sabemos que, à nossa frente, temos muitas décadas de história para trabalhar em favor da Vida.

Por Manuel de Faria Blanc, presidente da Apoio à Vida – Associação de Solidariedade Social

Não foram encontrados comentários