A saúde oral é uma ferramenta para a inclusão social

Autor: Mariana Dolores e Ana Simões

A saúde oral é uma ferramenta para a inclusão social

Desde sempre as desigualdades sociais fazem parte da nossa História. E quando analisamos as desigualdades no acesso aos cuidados de saúde, e mais especificamente, em saúde oral apercebemo-nos da importância da intervenção do setor social para colmatar as vulnerabilidades existentes nos sistemas de saúde.


Foi no seguimento desta necessidade que surgiu em 2005 a Organização Não Governamental para o Desenvolvimento, Mundo a Sorrir, e desde então que a missão de promover a saúde e a saúde oral como um direito universal tem sido a linha orientadora da mesma. A Organização atua em Portugal e 3 países africanos sempre em coordenação com todos os interlocutores: sociais, públicos e privados, mas sem dúvida que são os utentes e as necessidades por eles sentidas que nos movem a ser inovadores na forma como pensamos na nossa estratégia de crescimento e de desenvolvimento de novos projetos.

Olhando para o panorama português, segundo os dados mais recentes do Barómetro de Saúde Oral sabemos que 70% da população tem falta de dentes naturais e 10% não tem um único dente em boca. 48,6% não tem dentes de substituição e, se considerarmos que o descuido com a saúde oral começa bem cedo, apresenta-se-nos um panorama em que muitos jovens que procuram melhores oportunidades de vida têm falta de dentes ou apresentam dentes com necessidade de tratamento, o que lhes dificulta o acesso ao mercado de trabalho.

Em Portugal, segundo o mesmo barómetro 90% dos Médicos Dentistas trabalha exclusivamente no setor privado, o que deixa a população socioeconomicamente mais fragilizada em situação de ausência de resposta. Agrava a esta situação o facto de 59,4% dos portugueses não saber que o SNS, em alguns centros de saúde do país, disponibiliza serviços de medicina dentária, ainda que em número muito reduzido.

90% dos Médicos Dentistas trabalha exclusivamente no setor privado, o que deixa a população socioeconomicamente mais fragilizada em situação de ausência de resposta

O Projeto C.A.S.O.- Centro de Apoio à Saúde Oral vem colmatar a necessidade das populações mais fragilizadas acederem a este tipo de cuidados. A história de 11 anos deste projeto diz-nos que a inclusão social é, sem sombra de dúvidas, potenciada por uma boa saúde oral. Este projeto associa a vertente psicossocial com a saúde oral tendo uma equipa multidisciplinar que acompanha os utentes em todo o processo. Isabel Barbosa, beneficiária do projeto C.A.S.O. Braga, declarou que “evitava falar com as pessoas e era muito complexada, hoje em dia perdi muitos dos complexos que tinha. Todos dizem que fiquei mais bonita e já não tenho problemas a falar com as pessoas. Já consigo sorrir. Sinto-me outra pessoa!”

Diz-nos a teoria científica que existe um "social gradient" na distribuição da saúde e da doença, isto é, para além das circunstâncias de viver em pobreza serem mais “pesadas” para determinados grupos sociais, quanto mais longa é a vivência neste tipo de contextos, maior probabilidade existe de o indivíduo sofrer vários problemas de saúde. Ora, a doença oral encaixa claramente neste pressuposto, a par de outras doenças crónicas/não transmissíveis.

As populações mais vulneráveis, vivendo muitas delas no limiar ou abaixo do limiar da pobreza, são também as que possuem maiores necessidades de cuidados de saúde oral, ainda assim, o tratamento oral é providenciado maioritariamente a quem tem uma condição socioeconómica mais favorável. Por conseguinte, a Medicina Dentária não é o “parente pobre” da Medicina, mas antes o “parente rico”.

Segundo a Federação Dentária Internacional (FDI), a doença da cavidade oral é a quarta mais cara de se tratar, pelo que o Projeto CASO pode ser a solução para um número significativo de pessoas que não tem possibilidade de aceder a cuidados de saúde oral.

É a este Centro de Apoio à Saúde Oral que os utentes recorrem, apoiados por outras IPSS para melhorar a sua saúde, o seu bem-estar e a sua auto-estima. Dispondo de 7 gabinetes dentários, esta resposta social está implementada nos concelhos do Porto, Braga, Lisboa e Cascais e funciona através de uma rede de mais de 85 parceiros locais (IPSS’s, Cooperativas, Fundações, Juntas de Freguesia, Autarquias), que encaminham os beneficiários mais carenciados para realizarem os tratamentos dentários necessários, incluindo a reabilitação oral com prótese dentária. Em 11 anos de trabalho, foram mais de 7.000 as pessoas beneficiadas, com mais de 60.000 tratamentos realizados.


Mas em que medida é que a nossa intervenção contribui para o trabalho social que é desenvolvido com este tipo de público-alvo? Em primeiro lugar, pelo tipo de metodologia usada. Os parceiros sociais encontram neste projeto uma resposta que suprime uma necessidade clara e objetiva. Quando falamos em intervenção social e nos apoios que existem a nível da alimentação, da habitação, da procura de emprego, de apoios psicológicos e jurídicos, etc., percebemos que as instituições que prestam estes apoios ficam limitadas na sua ação quando se trata de apoio ao nível da saúde oral. Para muitos dos nossos parceiros, o projeto C.A.S.O. é a única alternativa de resposta. Em segundo lugar, o plano de tratamento é focado na reabilitação oral do indivíduo, que culmina na maioria dos casos, na colocação de próteses dentárias. Esta é uma carência bastante significativa no seio destas pessoas, sobretudo porque apresentam um estado de saúde oral bastante deteriorado. Em último lugar, apesar de se tratar de uma clínica dentária, é um projeto social, desenvolvido por profissionais qualificados não só da área da saúde como também da área social, o que faz com que a abordagem ao indivíduo seja multidisciplinar. A par do tratamento dentário, existe um esforço de acompanhamento psicossocial destas pessoas, principalmente no que diz respeito à gestão das expectativas, ao grau de satisfação com os serviços e à avaliação do impacto social.

Em 11 anos de trabalho, foram mais de 7.000 as pessoas beneficiadas, com mais de 60.000 tratamentos realizados

Num estudo realizado com alguns dos utentes do C.A.S.O Porto e Braga verificou-se que o projeto tem 3 grandes impactos:

- na autoestima e auto perceção : 80% dos beneficiários reportou melhoria da autoestima;

- na saúde e qualidade de vida: 90% dos beneficiários eliminaram ou reduziram significativamente as dores, melhoraram a fala e a mastigação;

- na sensibilização para a saúde oral: 100% dos beneficiários faz a higienização dos dentes após o projeto e 83% escova 2x/dia.

Estes dados permitiram comprovar que o trabalho efetuado vai muito para além daquilo que é o tratamento dentário e a resolução do problema a curto prazo.

José Mesquita, beneficiário do C.A.S.O. Porto, confidenciou: “tinha estabelecido como meta cuidar de mim e da minha imagem para poder reintegrar o mercado de trabalho. Sinto que agora posso candidatar-me a empregos no atendimento ao público. Não tenho dúvidas de que vou ter mais oportunidades.”

Para a Mundo a Sorrir, a saúde oral é uma ferramenta essencial que contribui para complementar o trabalho realizado pelas instituições sociais que apoiam as populações mais vulneráveis e é fundamental para a inclusão social.

Por Mariana Dolores (Presidente da Direção) e Ana Simões (Coordenadora Técnica) da Mundo A Sorrir

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