Autor: Manuela Morais
COVID-19: Os mais vulneráveis estão a ser também os mais penalizados
De acordo com uma notícia publicada no passado dia 15 de Julho, a propósito das mortes ocorridas num Lar em Reguengos de Monsaraz devidas à Covid 19, e na sequência da denúncia pública da Ordem dos Médicos, o Bastonário da Ordem dos Advogados vai solicitar à Comissão de Direitos Humanos da Ordem que representa o apuramento da ocorrência de eventuais lesões dos direitos humanos nos lares portugueses, no contexto da atual pandemia.
Consideramos esta iniciativa da Ordem dos Advogados da maior relevância tendo em conta o número muito elevado de mortes por Covid 19 ocorridas nos lares, que ascenderá a cerca de um terço do número total de mortes em Portugal.
número muito elevado de mortes por Covid 19 ocorridas nos lares, que ascenderá a cerca de um terço do número total de mortes em Portugal
Contudo, em nossa opinião, importará averiguar não só a correta aplicação das orientações da Direção Geral da Saúde (DGS) nos lares e dos seus respetivos Planos de Contingência mas também as consequências dessas medidas no bem-estar e qualidade de vida das pessoas idosas institucionalizadas.
São cada vez mais os relatos que nos chegam da rápida perda de capacidades cognitivas e sociais, do aumento de sintomas de natureza ansiosa e depressiva e do isolamento crescente em que se encontram, sendo que estes fatores contribuem para uma maior dependência e, lateralmente, para uma maior sobrecarga dos profissionais e responsabilidade dos dirigentes das instituições que se vêm confrontados com um imperativo de saúde pública, de um lado, e o dever de bem cuidar dos seus utentes, do outro.
imperativo de saúde pública, de um lado, e o dever de bem cuidar dos seus utentes, do outro
Acresce que o texto das normas nem sempre é claro, podendo a sua interpretação restritiva causar eventuais excessos de aplicação e violar ilegitimamente direitos fundamentais. Um dos exemplos mais ilustrativos será o das saídas dos utentes dos equipamentos: na orientação nº 009/2020 da DGS, apenas se faz referência às saídas para realizar tratamentos ou por necessidade de assistência médica com posterior período de isolamento não inferior a 14 dias. E quanto a saídas de outra natureza, aplica-se a mesma regra? Ou será que atualmente os utentes estão informalmente impedidos de sair das instituições sempre que não seja por razões de saúde e devidamente acompanhados? Se assim for, qual a norma que fundamenta esta suspensão por tempo indeterminado da sua liberdade, considerando que este é um direito constitucionalmente consagrado?
qual a norma que fundamenta esta suspensão por tempo indeterminado da sua liberdade, considerando que este é um direito constitucionalmente consagrado?
De facto, decorridos quatro meses de elevadas restrições dirigidas a uma população tão vulnerável em termos de saúde física e mental, urge fazer um balanço e eventualmente reconsiderar algumas das medidas com criatividade e compaixão, sem se deixar de fazer uma avaliação de riscos assertiva. Não tendo ainda a situação em que nos encontramos um fim à vista, não podemos tolerar que no Estado de Direito em que vivemos os mais vulneráveis às consequências da doença sejam também os mais punidos com as medidas que visam protegê-los.
urge fazer um balanço e eventualmente reconsiderar algumas das medidas com criatividade e compaixão, sem se deixar de fazer uma avaliação de riscos assertiva
A Alzheimer Portugal reconhece a complexidade das questões elencadas e coloca-se ao dispor do Governo e, em particular, da Direção Geral da Saúde para dar os seus contributos no contexto de uma reflexão conjunta, considerando a problemática em termos gerais e o facto de um número significativo de pessoas institucionalizadas ter um diagnóstico formal ou sintomatologia compatível com um diagnóstico de demência.
Por Manuela Morais, Presidente da Direção Nacional da Alzheimer Portugal